A Anatel parece ter falhado na sua tentativa de regulamentar a neutralidade de rede, dispositivo que aparece na proposta do novo regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Isso porque, de acordo com as manifestações realizadas na consulta pública, há aqueles que entenderam que o texto proposto permite que as teles discriminem o tráfego da rede e aqueles que entenderam exatamente o oposto.
O Artigo 59 da proposta é claro ao proibir que haja tratamento discriminatório. “É vedado à Prestadora realizar bloqueio ou tratamento discriminatório de qualquer tipo de tráfego, como voz, dados ou vídeo, independentemente da tecnologia utilizada”. Mas, logo em seguida, a Anatel abre uma exceção. “A vedação prevista no caput deste artigo não impede a adoção de medidas de bloqueio ou gerenciamento de tráfego que se mostrarem indispensáveis à garantia da segurança e da estabilidade do serviço e das redes que lhe dão suporte”.
Para o IDEC, por exemplo, o texto é vago e subjetivo, e por isso pode colocar em risco a neutralidade que a Anatel pretende garantir. “É preciso que os critérios (de bloqueio ou gerenciamento) sejam criados pela autoridade regulatória competente, com assessoria de um órgão técnico habilitado para tanto, com composição plural e presença de vários segmentos, inclusive a sociedade civil e o empresariado, como é o caso do Comitê Gestor da Internet”, afirma o órgão.
Já as teles acham que o texto da Anatel não permite que elas realizem o gerenciamento de rede da maneira que elas gostariam. A Oi, por exemplo, acha que a redação proposta pela Anatel veda “de forma abrangente” qualquer tipo de discriminação, “o que introduz limitação não alinhada às melhores práticas internacionais e impossbilita a gestão eficiente das redes de banda larga, bem como a criação de condições necessárias para dar sustentabilidade e para a aceleração dos investimentos e ampliação das velocidades ofertadas ao usuário”. A sugestão da Oi é que a Anatel trate do assunto só depois de aprovado o Marco Civil da Internet pelo Congresso Nacional.
Para a Atimus, a proposta da Anatel considera apenas um aspecto relativo ao tema, que é a “não discriminação de conteúdos”, sem levar em consideração os aspectos como “necessidade de investimentos em infraestrutura” e “possibilidade de cobrança junto aos provedores de conteúdo”. “Se por um lado é importante defender a garantia de uma Internet com acesso irrestrito aos seus conteúdos e aplicações, por outro lado deve-se também discutir a necessidade do equilíbrio econômico-financeiro da operação, de forma a permitir a manutenção dos investimentos pelas Operadoras no Core da Rede e como consequência a qualidade do tráfego das informações”. A empresa é clara ao denfender a autonomia das teles para fazer a gestão de tráfego de suas redes de forma a permitir “a diferenciação por níveis de serviço e preço”.
A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda elogia a proposta justamente por proibir que as teles cobrem dos produtores de conteúdo prioridade de tráfego em suas redes. A SEAE menciona um estudo segundo o qual a ausência de cobrança propiciou o desenvolviemtno do modelo da cauda longa, em que cada produto individualmente tem pouco valor, mas no conjunto constituem valor significativo. Com o custo operacional aumentado, esses negócios podem ser inviabilizados, sustenta a SEAE.