Na semana passada, o Conselho Diretor da Anatel concluiu um
emblemático caso sobre venda casada no setor de telecomunicações. A
agência negou os recursos apresentados pela Brasil Telecom (que hoje faz
parte do Grupo Oi) e multou a companhia em R$ 10 milhões pela prática
abusiva. A estratégia da Brasil Telecom consistia na exigência de compra
de uma linha fixa da companhia caso o cliente quisesse adquirir um
plano de banda larga. Convenhamos que ela não é a única a fazer isso.
Diga-se de passagem, até mesmo algumas políticas públicas são
condescendentes com a prática da venda casada. Os termos de compromisso
assinados entre as teles e o Ministério das Comunicações para a criação
do projeto Banda Larga Popular autoriza as companhias a vender o serviço
de acesso à Internet fixa de baixo custo apenas para quem possui uma
linha telefônica da mesma companhia. A verdade é que, apesar da postura
firme da Anatel no caso analisado na semana passada, ainda há muita
confusão sobre o que é a venda casada.
O conselheiro Jarbas Valente chegou a dizer que nem toda venda casada
é ilegal. “Se você vai ao sapateiro, por exemplo, você não compra só um
pé de sapato. Você compra o par”, afirmou o conselheiro, como se a
situação exemplificasse o conceito de venda casada. Não é bem assim.
Inicialmente, essa prática é ilegal sim. O Código de Defesa do
Consumidor proíbe claramente que qualquer empresa obrigue o cliente a
comprar um segundo produto para fechar o contrato que deseja. No caso do
sapateiro, a questão é outra. A venda do par de sapatos se dá por
comodidade, afinal, a maioria da população possui dois pés para serem
calçados. Dizer que isso é venda casada parece brincadeira.
No setor de telecomunicações muitas desculpas foram usadas ao longo
dos anos para justificar a venda casada de produtos, quase todas de
ordem técnica. Durante muito tempo defendeu-se que a linha fixa era
necessária para a oferta de banda larga e, portanto, era aceitável
vender os produtos dois juntos. Mas fatos como este podem justificar, no
máximo, variações de preço entre os que já são clientes e os que ainda
não são clientes. O ponto aqui é que o consumidor não pode ser forçado a
ter um telefone se ele só quer ter o serviço de banda larga.
Do ponto de vista concorrencial, a prática da venda casada também é
abusiva. A diferença entre o mundo concorrencial e o dos consumidores
esta nos ganhos de eficiência e escala que a empresa pode ter vendendo
os produtos de forma conjunta. Se as companhias são dominantes de
mercado, essa prática pode ser interpretada como uma barreira à
concorrência. Se a empresa foi nanica, não. Ou seja, nem sempre a venda
casada é uma prática anticoncorrencial. Mas sempre é uma ação abusiva
sob a ótica do consumidor.
Mas em um setor onde quase tudo é empacotado, onde se compra telefone
fixo, celular, banda larga e TV por assinatura em um mesmo plano, como
enxergar o que é venda casada? No ano passado, a Anatel tentou
solucionar esse dilema. Tomou uma medida drástica: proibir que as teles
cobrem mais barato pelos serviços dentro do pacote, salvo em caso de
planos promocionais. Apesar da boa intenção, o ato da Anatel pareceu
tentar tapar o sol com a peneira.
O empacotamento de serviços é algo desejável para o mercado e para o
consumidor, pois assegura preços menores graças aos ganhos de escala das
companhias. É mais ou menos como premiar o consumidor pela fidelidade. É
óbvio que esse prêmio não pode ser absurdamente alto, como no caso do
processo contra a Brasil Telecom onde a banda larga avulsa custava 900% a
mais do que dentro do pacote. Ai é abuso e um forte alerta de que o
empacotamento mascara uma venda casada.
Casos desse tipo já foram parar na Justiça, mas as queixas contra a
venda casada ainda são poucas comparadas com o volume de reclamação por
cobrança ilegal e falhas no serviço. Comprar tudo empacotado pode ser
uma facilidade para o consumidor, mas é preciso ficar atento. Pesquise
os preços dos produtos separados na empresa e em concorrentes. Só assim,
o consumidor poderá estar seguro de que o pacote é mesmo vantajoso e
não apenas uma maneira de obrigar o cliente a comprar o que não precisa.