O aperto da fiscalização por reguladores e o avanço da maturação do mercado de telefonia móvel estão forçando um novo cenário de negócios em telefonia móvel, voltado mais para a qualidade dos serviços do que à adição de novas linhas à base.
Desde que a Anatel suspendeu as vendas de três operadoras nacionais em diversos estados em julho, tem crescido o escrutínio no setor, em meio a maiores exigências de qualidade, ameaças de novas suspensões e até pedido de abertura de CPI.
E isso deve ajudar a mudar a maneira como as operadoras direcionam seus esforços e investimentos em um mercado de mais de 250 milhões celulares, que começa a mostrar uma tendência de desaceleração no crescimento da base.
”O que se viu foi que o esforço comercial foi muito além do que a engenharia estava preparada”, afirmou Vinicius Vargas, sócio do escritório de advocacia Barros Pimentel, responsável pela área de telecomunicações e tecnologia.
“Agora, o jogo muda e ao invés de buscar novos clientes você tem que preservar os que tem”, afirmou Jacqueline Lison, analista do Banco Fator. “Com isso, fica muito mais importante fidelizar e qualificar sua base de clientes”.
O forte crescimento na venda de novas linhas móveis tem perdido força nos últimos meses, à medida que o mercado chega a uma proporção de mais de uma linha móvel por pessoa.
Apesar de esse já ser um movimento esperado pelas empresas, que têm buscado oferecer cada vez mais serviços de valor agregado, como dados e mensagens, o recente aperto da severidade do governo vai ajudar a acelerar essa mudança de jogo.
Assim, o setor se prepara para dar mais atenção não apenas à parte comercial do negócio, como também à melhoria da rede, no atendimento aos usuários e em menos interrupções de chamadas.
“Isso tira (as operadoras) da zona de conforto, os investimentos que eram feitos dentro do necessário para dar resultados, agora devem focar mais em qualidade”, disse Karina Freitas, analista da Concórdia Corretora.
Outro ponto importante para as empresas será a recuperação ou fortalecimento da marca própria, para estabelecer um vínculo com a melhora de qualidade decorrente de novos investimentos.
“Dada uma competição acirrada e mais ou menos o mesmo nível de preço… deve haver tendência à escolha de operadoras que têm menos queda de chamada e maior percepção de qualidade associada à marca”, afirmou a analista da BES Securities Jéssica Antunes.
Nesta semana, por exemplo, em audiência pública no Senado, o diretor de assuntos regulatórios da TIM, Mario Girasole, afirmou que a operadora levará “muito tempo” para recuperar sua imagem após as recentes notícias negativas sobre a subsidiária da Telecom Italia.
Além de ter tido suas vendas suspensas pela Anatel em 19 unidades federativas, nesta semana vazou um relatório da agência de que a TIM supostamente estaria derrubando chamadas telefônicas de propósito para forçar novas chamadas.
A Claro, do grupo América Móvil, e a Oi também tiveram as vendas suspensas em alguns Estados, embora em escala bastante menor, enquanto a Vivo, que não sofreu bloqueios, também foi requisitada a apresentar um plano de qualidade.
Advogados não veem risco de mudança de regras no setor, mas a postura mais rigorosa da Anatel preocupa, pois há sempre a possibilidade de uma nova suspensão das vendas.
“Não vejo risco regulatório, tudo o que foi feito pela Anatel está dentro da lei da regulamentação das teles”, disse Guilherme Ieno, sócio do escritório Koury Lopes Advogados.
“O que se espera é que a agência não atue tanto só para apagar incêndio. Acho que ela deve buscar soluções antes de chegar a resoluções drásticas”, ressaltou.
Já Vargas, do escritório Barros Pimentel, alertou que, apesar de a agência ter atuado dentro de suas atribuições, tem sido vista maior atividade fiscalizatória, o que deve continuar a fim de garantir o cumprimento dos planos.
“A Anatel fiscalizava antes questões mais burocráticas, e agora aumentou fiscalização com qualidade”, disse Vargas. “O mercado estava mal acostumado” acrescentou.
Mas Ieno alerta para a possível falta de recursos humanos da agência reguladora que, segundo ele, tem uma postura muito passiva na regulamentação, por se basear demais em informações repassadas pelas próprias operadoras em vez de aferições feitas em campo.
“Não precisava ter deixado chegar à situação que chegou; a gente sabe que as empresas são fiscalizadas um tanto ativamente, mas são elas que proveem os dados para a Anatel, que não tem condições de fazer uma fiscalização eficiente em campo”, disse.