A Nextel está pronta para pagar cerca de R$ 370 milhões pela Unicel, operadora de celular ligada ao marido de Erenice Guerra, que deixou a Secretaria-Executiva da Casa Civil em 2009 sob a acusação de favorecer empresas (inclusive a própria Unicel).
O problema é que a empresa, conhecida comercialmente como Aeiou, está para ser cassada pela Anatel, por causa de uma dívida de cerca de R$ 500 milhões. Se isso ocorrer, a frequência que ela operava terá que ir a novo leilão.
Ao governo, no entanto, interessa que a empresa seja vendida para a Nextel, porque ele pretende, por meio da nova companhia, forçar Vivo, TIM, Claro e Oi (as quatro maiores) a baixar seus preços. A ideia é repetir a estratégia adotada em março pela presidente Dilma Rousseff para baixar os juros. Com a resistência dos bancos privados, o governo usou o Banco do Brasil e a Caixa para dar início aos cortes. Quando começaram a tomar clientes, a concorrência decidiu acompanhá-los.
A maior parte dos R$ 370 milhões pagos irá para os credores, incluindo a Anatel e o governo, a quem a empresa deve R$ 270 milhões. Ainda não se sabe quanto ficará com os controladores, se ficar.
Oficialmente, a Unicel pertence a José Roberto Melo da Silva. Ele é amigo de José Roberto Camargo Campos, marido de Erenice, e foi padrinho de casamento do casal. Entre os executivos do setor e os funcionários da Anatel, o marido de Erenice é tido como o real proprietário.
Recentemente, a Anatel aprovou novas regras que mudam a tarifação das chamadas entre operadoras, uma cobrança conhecida como interconexão e que hoje representa, em média, 30% da receita das empresas. Quem telefona para um número da concorrente paga a interconexão por minuto.
A consultoria Bernstein Research fez uma pesquisa há dois anos e verificou que o custo da interconexão é o responsável por fazer do minuto de celular no Brasil o 2º mais caro do mundo.
Para evitar essa distorção e facilitar a vida do consumidor (obrigado a comprar chips avulsos de cada operadora para economizar), a Anatel decidiu que teles sem “poder de mercado” só pagarão 20% da interconexão. É o caso da Nextel. As quatro maiores, que têm “poder de mercado”, pagarão 80%. Essa diferença deixará o pacote da Nextel mais atrativo, porque as ligações dentro e fora de sua rede podem ter o mesmo preço, objetivo do governo para o setor.
As teles suspeitam que esse tenha sido um “pedágio” que o governo está pagando à Nextel por, em 2008, ter participado do leilão de 3G, fazendo o ágio passar de 100%. A União arrecadou R$ 5,4 bilhões com as licenças. O aval para a compra da Unicel também faria parte desse suposto “pedágio”.
Se efetivada, a Nextel terá à sua disposição a frequência de 1,8 GHz da Unicel, que permite fazer telefonia 4G em 63 municípios de São Paulo, incluindo a capital. As quatro grandes pagaram R$ 2,9 bilhões pelas licenças de 4G leiloadas em junho.
A Nextel avalia os números da Unicel há pelo menos um ano e, nos últimos meses, já vinha renegociando com os credores. Muitos são fornecedores da Nextel. Com a chance de recuperar os créditos, eles aceitaram dar descontos, reduzindo a dívida. O número ainda pode mudar, porque a renegociação está em curso. Embora a situação tenha se complicado com o processo da Anatel para cassar as licenças da Unicel, a Nextel trabalha com a certeza de que concretizará a compra.
A Anatel informa que a Unicel possui diversos processos em curso, incluindo o que prevê a cassação de suas frequências. Em nota, a agência disse que essa é uma “situação extrema” e que, intimada a manifestar-se, a empresa “quedou-se inerte”.
O processo já teve parecer da Procuradoria da AGU, mas a Anatel não esclareceu se houve alguma previsão legal para que a compra da Unicel possa encerrar o processo de cassação das licenças.
A agência não se pronunciou sobre o suposto favorecimento com as novas regras de interconexão.
Consultada, a Nextel não quis se manifestar. O Portal ligou para o celular do controlador da Unicel, mas não obteve resposta até o momento.