Com a promessa de conteúdos para download no celular como toques, vídeos, jogos, aplicativos, papel de parede e até horóscopo, milhares de empresas bombardeiam os clientes das operadoras com mensagens de oferta do serviço. Se o incômodo terminasse por aí, muitos consumidores se conformariam, já que a prática, apesar de proibida, é corriqueira neste mercado. O problema é que, em muitos casos, além de publicitária, a simples mensagem de texto configura adesão automática ao pacote de produtos, que pode custar R$ 4,99 por semana. Sem conhecimento, o cliente só se dá conta de que algo está errado quando os créditos começam a sumir sem explicação ou a conta ficar mais cara. Na tentativa de cancelar o “contrato” renovado a cada nova semana, se depara com a dificuldade em se ver livre da cobrança indevida.
A prática denunciada por várias pessoas à Associação Brasileira de Consumidores (ABC) acendeu o alerta vermelho. “A existência por si só dessas empresas não é ilegal. A forma como o serviço está sendo oferecido aos clientes, sim”, afirma a advogada especializada em direito do consumidor Magna Borges Santos. Entre as empresas na mira da ABC e do Ministério Público Estadual está a PMovil, que oferece o serviço chamado Toing. “Há dois meses entramos com quatro ações civis públicas no Fórum Lafayette tendo como ré a PMovil. Cada uma delas se refere a uma das operadoras de telefonia que devem responder solidariamente”, explica Magna. Claro, TIM, Vivo e Oi foram acionadas.
A Vivo está proibida, desde setembro, de vender o serviço Toing a seus clientes. A liminar foi concedida pelo juiz Marcelo Augusto Lucas Pereira, da 8ª Vara Cível de Belo Horizonte, por entender que o usuário foi impedido de discutir os termos do contrato e que as empresas eliminaram a prática da “liberdade de contratar.” A Vivo informou em nota que está cumprindo as determinações judiciais. Liminar semelhante foi concedida contra a Claro, que informou ainda não ter sido notificada e, por isso, não se manifestou sobre o caso.
A Oi se absteve de comentar o fato, enquanto a TIM garantiu que a contratação do Toing não é automática. “Para que seja disponibilizado aos clientes, é necessário que o usuário envie mensagem com a solicitação e outra com a confirmação”, explica a empresa ao informar que vai apresentar a defesa dentro do prazo processual. Para Magna, a expectativa é que os juízes sigam a mesma linha de entendimento aplicada à Vivo e à Claro para as demais operadoras.
O advogado da PMovil, Erasmo Cabral, confirma o procedimento descrito pela TIM e garante que a contratação não ocorre à revelia do consumidor. “As pessoas contratam tanto pelo site como por WAP ou SMS. Quando solicita o serviço, recebe uma mensagem para confirmação do contrato e, somente quando responde que está de acordo, é que passa a ser tarifada”, argumenta.
A farmacêutica Sandra Maria Nascimento nunca havia ouvido falar do serviço, mas viu sua conta de celular ficar cada vez mais cara de forma inexplicável. “Quando fui checar (a fatura), vi uma série de cobranças no valor de R$ 4,99. No total foram 12, que começaram em 22 de maio e seguiram até 11 de setembro”, conta. Somente depois de levar sua reclamação para a internet conseguiu ressarcimento para os R$ 59,88 cobrados indevidamente. “A sensação é de que se trata de uma prática que se colar, colou”, afirma.
Cliente pré-pago, o professor Adolfo Borges viu seus créditos sumirem assim que os colocava no celular. “Os valores iam embora rapidamente e a empresa só parava de cobrar quando eu reclamava. Ainda assim, quando voltava a recarregar, as cobranças recomeçavam”, lembra. Foram cerca de seis meses de tentativas incessantes, até que o problema fosse resolvido em partes, já que o prejuízo foi arcado pelo professor. “Não sei quanto gastei, mas foram meses de tarifação indevida”, conta.
No site Reclame Aqui (onde os consumidores relatam os seus problemas) já foram registrados 1.604 relatos negativos contra o Toing desde 2010, sendo 1.221 somente nos últimos 12 meses.
Dicas para evitar ofertas de serviços indesejáveis nos celulares
- Clientes pós-pago devem verificar a descrição das cobranças realizadas na conta, na tentativa de identificar qualquer valor que não reconheça
- Já os clientes pré-pago devem checar o extrato dos créditos e a existência de lançamentos não autorizados de R$ 4,99 ou múltiplos desse valor
- Evite abrir mensagens publicitárias enviadas para o celular
- Ao navegar em sites por meio do celular, evite clicar em anúncios ou baixar conteúdos desconhecidos ou ainda aceitar termos de navegação sem a devida leitura e análise. Um deslize pode significar a contratação do serviço
- Identificada a cobrança indevida, cancele imediatamente o serviço. O processo deve ser feito por meio de mensagem. As empresas oferecem um número para o qual se deve enviar a palavra “Sair”
- Caso a solicitação não seja acatada, denuncie aos órgãos de defesa do consumidor
- Acione a empresa para devolução dos valores cobrados indevidamente
- Se a empresa não se prontificar a entrar em um acordo amigável, recorra ao Procon
- Por meio das denúncias, o Ministério Público identifica as empresas que realizam a prática abusiva e propõe Termo de Ajustamento de Conduta. Muitas delas estão sendo alvo de ações civis públicas.
Pelo menos outras 80 empresas são suspeitas de realizar práticas semelhantes à da PMovil e também estão sendo alvo de investigação da Associação Brasileira de Consumidores (ABC). “Estamos buscando descobrir quem são elas, local de funcionamento e tipo de serviço e como é prestado. A partir desse levantamento, poderemos propor novas ações civis coletivas”, explica a advogada especializada em direito do consumidor Magna Borges Santos. A expectativa é que a avaliação completa seja finalizada em cerca de dois meses.
Há um ano, o Ministério Público Estadual também está empenhado em coagir a prática, considerada abusiva. “Propusemos acordo com várias empresas deste ramo, chamado de serviços de valor agregado, basicamente as obrigando a não encaminhar mensagens publicitárias para o celular”, explica o promotor de Justiça de defesa do consumidor Marcos Tofani Baer Bahia. No Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto às empresas, o MP também descreve a forma mais correta para fornecimento do serviço. A começar pela contratação, que só poderia ser feita pela internet.
“O primeiro passo seria a realização de um cadastro no site da empresa. Feito isso, o consumidor receberia no celular uma senha que deveria ser inserida novamente no site. Somente a partir daí poderia realizar a contratação”, explica Tofani. Limitando o serviço à internet, o cliente teria acesso prévio às cláusulas do contrato, fundamental para conhecimento das condições de uso do pacote de serviços, como valores cobrados e prazo da assinatura. Apesar dos esforços do MP, apenas uma das dezenas de empresas assinou o TAC. A alternativa encontrada têm sido as ações, que já somam mais de 10 no MP, afirma o promotor.
O advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Guilherme Varella alerta para a necessidade de maior precaução ao navegar pela internet no celular. “A dinâmica é muito mais ágil que nos contratos habituais. Muitas vezes as pessoas entram nos sites e, à medida que navegam, vão aceitando as condições sem saber que podem estar contratando o serviço”, afirma. Nesses casos, em que a autorização não é expressa, o cancelamento pode ser realizado a qualquer momento, sem qualquer ônus para o consumidor. “Isso porque não foram dadas as condições de uso do serviço, o que é previsto no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor”, afirma. Além de recorrer à empresa e à operadora, os clientes também podem acionar a Anatel.