22/12/2024

Judiciário pode intervir em tarifas de interconexão

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de o Poder Judiciário intervir nos casos em que se discute a fixação dos valores cobrados das empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa a título de Valor de Uso de Rede Móvel (VU-M). A decisão unânime foi tomada na última terça-feira (4/12). Nos processos analisados, a Turma foi favorável à operadora GVT.

O VU-M é uma tarifa cobrada pelas empresas de serviços de telecomunicações fixos quando se conectam às redes de prestadoras móveis. Para se conectarem às redes móveis, as operadoras pagam em média R$ 0,39 (VU-M), ao passo que para se conectarem às redes fixas, as operadoras móveis pagam R$ 0,03 pela tarifa Tarifa de Uso de Rede Local (TU-RL).

Em seu voto, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a Lei Geral de Telecomunicações expressamente confere às concessionárias de telefonia relativa liberdade para fixar os valores das tarifas de interconexão VU-M, desde que tais valores não estejam em desacordo com os interesses difusos e coletivos envolvidos, consistentes na proteção dos consumidores e na manutenção das condições de livre concorrência no mercado.

Para o relator, “a discussão judicial desses valores não afasta a regulamentação exercida pela Anatel, visto que a atuação do referido órgão de regulação setorial abrange, sobretudo, aspectos técnicos que podem melhorar a qualidade do serviço oferecido ao consumidor pelas concessionárias de telefonia fixa e móvel”.

A partir desse entendimento, foi negado provimento aos recursos especiais e determinada a manutenção da antecipação de tutela concedida pela Seção Judiciária do Distrito Federal, que determinou a aplicação dos valores sugeridos por empresa de consultoria, mais condizentes com os interesses difusos envolvidos.
A GVT entrou com ação na Justiça e junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) buscando a diminuição dos valores cobrados pela VU-M. Segundo o advogado que representa a GVT, Juliano Maranhão, sócio do escritório Sampaio Ferraz Advogados, em 2005, as grandes operadoras fixas fizeram um acordo com as grandes de telefonia móvel em que somente elas seriam beneficiadas, enquanto as demais operadoras seriam prejudicadas com um aumento da VU-M, dando prejuízo a estas operadoras em ligações para celular.

No processo do Cade, a GVT alegou discriminação às demais operadores, devido ao acordo que beneficia apenas algumas. O processo ainda não foi julgado, porém já possui parecer favorável da Secretaria de Direito Econômico do Cade e do Ministério Público. Na Justiça, a GVT pediu interferência para baixar o valor cobrado pela VU-M em antecipação de tutela. Pediu também o reembolso dos valores pagos desde 2004.

O advogado Juliano Maranhão elogiou a decisão do STJ. “O atual valor de VU-M, apesar da iniciativa tardia da Anatel para redução, continua um dos mais altos do mundo, prejudicando a concorrência e os consumidores finais. A atuação do Poder Judiciário e do Cade é fundamental para proteção do mercado”, diz.
De acordo com o Cade, que atuou no julgamento do STJ como amicus curiae, as taxas cobradas podem ser duas: taxa de interconexão em chamadas de móvel para fixo (TU-RL), tarifa cobrada pelas concessionárias de telefonia fixa para a utilização de sua rede local para originação ou terminação por outras empresas; e taxa de interconexão em chamadas de fixo para móvel (VU-M), que é devida pelas empresas de serviços de telecomunicações quando se conectam às redes de prestadoras móveis. O caso julgado diz respeito apenas à VU-M.

No caso dos autos, a 2ª Turma do STJ constatou, a partir de análise das características do mercado brasileiro de telecomunicações, que as tarifas cobradas no Brasil a título de interconexão estão entre as mais caras do mundo. Recentemente, a Comissão Europeia publicou recomendação orientando as operadoras da região a baixar as tarifas a patamares bem inferiores àqueles praticados no Brasil.

Na contramão dessa tendência mundial, a análise dos elementos constantes dos autos que foram levados em consideração pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) indica que há no Brasil uma tendência de aumento dos valores cobrados a título de VU-M, com a chancela da própria Anatel.
De acordo com o ministro Mauro Campbell, do STJ, a partir das manifestações do Cade e dos elementos considerados pelo TRF-1, ficou claro que a fixação de valores elevados a título de VU-M pode ter efeitos maléficos para as condições de concorrência no setor, bem como para o consumidor final.

Isso porque, ressalvada a possibilidade expressamente prevista em lei referente à concessão de descontos, esse custo é normalmente repassado para a composição da tarifa final que deve ser paga pelo usuário.

Assim, de acordo com o relator, a par da regulação exercida pela Anatel, os valores cobrados pelas empresas a título de VU-M podem ser discutidos no Poder Judiciário, pois, por determinação da Lei Geral de Telecomunicações, elas têm liberdade para fixar esses valores, desde que não estejam em desacordo com as normas de proteção dos direitos dos consumidores nem com a cláusula geral da liberdade de iniciativa concorrencial.

O advogado Juliano Maranhão também apontou outros efeitos maléficos causados pela cobrança diferenciada. Segundo ele, há uma distorção quando as empresas cobram mais barato para ligações com a própria rede e mais caro quando outros utilizam, pois isso induz o cliente a fazer chamadas somente dentro desta rede. “Assim, as pessoas compram chips de todas as operadoras para ficar ligando somente entre elas. Com isso, ao invés de investir em redes e faturar com as chamadas, as operadoras investem e ganham vendendo o chip. Isso ajudou a causar a saturação das redes que estamos vendo”.
Em janeiro, a Anatel homologou um plano de redução de tarifas das ligações de telefone fixo para móvel. O reajuste escalonado é divido em três vezes, até 2014, sempre em janeiro.

Cada redução de tarifa será de, em média, 10%. Em janeiro de 2014, o total chegará a 26%. De acordo com a agência, no entanto, os ganhos para os consumidores deve atingir 45%, considerando reajustes que não serão feitos.

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