Você sai para jantar sem a carteira. Para pagar a conta, diz: “Meu nome é …”. O garçom clica no visor do tablet dele. Um alerta em seu celular avisa sobre a cobrança. É assim que funciona o Square, sistema de pagamentos em uso nos Estados Unidos. Ele, hoje, é uma das maiores referências em pagamentos por celular. É aceito em 200 mil estabelecimentos, entre restaurantes, bares, cafés, salões de beleza, spas, lojas e até agências funerárias. Para usá-lo, o cliente precisa instalar um programa no celular, criar uma conta e inserir dados pessoais e financeiros. O sistema de GPS do telefone identifica quando o cliente chega a uma loja conveniada. O perfil do cliente aparece automaticamente na tela do tablet do caixa da loja. Ao cobrar, o funcionário verifica se a foto associada à conta corresponde à pessoa à frente.
Essa é uma das formas de usar o telefone como meio de pagamento. O serviço começará a se popularizar no Brasil a partir do próximo ano, quando todas as operadoras de telefonia deverão estar autorizadas a fazer do smartphone uma carteira digital. Se essa alternativa vingar, será a maior mudança na forma como pagamos por produtos e serviços desde a chegada dos cartões, nos anos 1950.
O celular deixou de ser um aparelho restrito a fazer chamadas e a enviar mensagens há tempos. Os smartphones são computadores portáteis e poderosos. Exibem mapas, funcionam como minivideogames, tocam músicas e vídeos, enviam e-mails, navegam na rede. Os novos serviços de pagamentos aproveitam essa versatilidade. Boa parte de nossas contas já é paga eletronicamente, por cartão ou internet. Por que não usar o celular para fazer isso?
A maioria desses novos meios de pagamento usa duas tecnologias. A mais simples envolve uma troca de mensagens de texto. É o caso do serviço Oi Paggo, lançado há um ano pela Oi, pelo Banco do Brasil e pela rede Cielo. Depois que o número de celular é digitado na máquina de pagamentos da loja, o cliente recebe um SMS com a cobrança. Digita uma senha e a envia por mensagem para autorizar a compra. Os dados são codificados digitalmente para evitar fraudes. Com esse sistema simples, até um celular básico pode servir para pagamentos. Isso é importante no Brasil, onde só 14% das pessoas têm smartphone.
Boa parte dos serviços de pagamentos por celular usa uma tecnologia de transmissão de dados conhecida pela sigla NFC. Os smartphones modernos (com exceção dos iPhones) já vêm com NFC. Para fazer um pagamento, basta aproximar o telefone da máquina de cartões da loja. No Japão, é possível pagar o metrô ou a conta do jantar dessa forma. A carteira digital do Google, lançada em 2011, também funciona assim.
Em 2012, pagamentos feitos pelo celular movimentaram US$ 212 bilhões, segundo a empresa de pesquisas Gartner. Cerca de 80% das transações são feitas por SMS ou pela web, e não com a NFC. “A NFC exige uma mudança de comportamento dos consumidores, e isso leva tempo”, diz Sandy Shen, diretora de pesquisa da Gartner. Mas o futuro passa por ele.
No Brasil, os pagamentos com NFC estrearão em 2013. As quatro maiores operadoras de telefonia móvel fecharam parcerias com bancos, bandeiras de cartão de crédito e redes de pagamento para lançar carteiras digitais com NFC. “A tecnologia existe há uma década e está pronta para uso comercial há algum tempo”, diz Percival Jatobá, diretor de produtos da Visa. “Faltava acertar o papel de cada empresa nesse novo sistema.” Agora, o governo brasileiro prepara a regulamentação dos pagamentos por celular. Um grupo de especialistas do Banco Central e do Ministério das Comunicações criou as regras e as enviou à Casa Civil para aprovação. Elas deverão entrar em vigor no primeiro semestre de 2013.
O pagamento por celular ainda desperta dúvidas. Seus críticos dizem que se trata de uma solução em busca de um problema. Não é incômodo nem trabalhoso usar um cartão. A principal defesa da carteira digital é uma alternativa para quem não tem conta bancária ou cartão de crédito, mas tem um celular. Hoje, 36% dos brasileiros se encaixam nesse perfil. Há no país, 255 milhões de aparelhos, 32% mais que o total de habitantes. “Pode ser uma nova forma de o cidadão gerir dinheiro”, afirma o gerente de regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali. “Você depositaria dinheiro numa conta com a operadora e usaria o celular para pagar.”
Há outros benefícios, como gerenciar diferentes contas de banco, cartão, programas de fidelidade e vales-alimentação por um só programa no celular. “Ele ainda cria a possibilidade de pagar à distância”, diz o vice-presidente de produtos e negócios da Cielo, Eduardo Chedid. “Se o cliente estiver viajando, seu filho pode ir comprar um livro e pagar ao informar o número de celular do pai, que autoriza pelo telefone.”
O histórico de pagamentos eletrônicos revela hábitos e preferências do consumidor. Isso já acontece com cartões. Por isso, uma conta é bloqueada quando as compras fogem do padrão. Com o celular, o cliente pode ter benefícios. “Se alguém entra num shopping, uma loja pode ser informada e enviar uma oferta a essa pessoa”, afirma o diretor de produtos e serviços da Vivo, Maurício Romão. “Isso cria um comércio personalizado.”
Ainda levará anos para os pagamentos por celular se tornarem cotidianos. Também é difícil que o smartphone acabe com o dinheiro ou cartões. Será mais uma opção de pagamento para quem quiser. Hoje, na hora de pagar a conta, deparamos diariamente com a pergunta: “Débito ou crédito?”. Em breve, poderemos retrucar: aceita celular?