Existe um sentimento cada vez mais perceptível entre as operadoras de telecomunicações de que nesse momento talvez não seja a hora de apressar o processo de licitação da faixa de 700 MHz, como quer o governo e como queriam as próprias empresas até o ano passado.
O primeiro sinal desse movimento veio de manifestações da Vivo, em fevereiro, criticando o cronograma antecipado de licitação de 700 MHz no Brasil. Depois, na semana passada, o próprio SindiTelebrasil pediu mais tempo na consulta pública sobre o assunto que está em curso na Anatel (pedido atendido pela agência). Foram apenas 30 dias a mais pedidos por conta da complexidade da matéria, mas em situação de pressa as teles certamente não gastariam esse tempo.
Agora, o presidente da Claro, Carlos Zenteno, foi na mesma linha ao comentar as expectativas da empresa para a faixa de 700 MHz. “O ponto é que não sabemos quais serão as exigências para as empresas. Talvez o melhor seja esperar a transição que já estava prevista na TV digital para depois abrir a faixa (para a banda larga móvel)”, disse ele. Explica-se: a transição da TV analógica para a TV digital, com o desligamento total da TV analógica, estava prevista para acontecer em junho de 2016. Depois disso, seria possível limpar a faixa de 700 MHz e aí sim pensar em uma licitação para leiloar o dividendo digital para a banda larga móvel.
O que o governo anunciou no começo deste ano é a antecipação, em parte das cidades, desse cronograma, de modo que o leilão possa acontecer ainda em 2014 e que as primeiras operações de banda larga móvel 4G estejam disponíveis nessa faixa do espectro ainda em 2015. Em contrapartida, as teles ajudariam a custear a digitalização da TV aberta e a troca dos aparelhos de TV.
“Para nós faria sentido se o leilão da faixa de 700 MHz fosse uma continuidade da licitação de 2,5 GHz. Mas se virá com mais obrigações e valores, teremos que avaliar melhor”, diz Zenteno. Para ele, os investimentos na faixa de 2,5 GHz não serão diminuídos pela licitação de 700 MHz. “Temos que cumprir as obrigações atuais, então o leilão de 700 MHz seria mais uma despesa”. A exemplo da Vivo, a Claro também adquiriu uma grande fatia da faixa de 2,5 GHz (20 + 20 MHz), e por isso desembolsou mais (quase R$ 1 bilhão) só pelas frequências. Oi e TIM, que têm faixas menores nos 2,5 GHz, e a Nextel, que ainda não tem saída para 4G, podem colocar pressão em sentido contrário.
O principal ponto, para a Claro, está nas obrigações que viriam em decorrência da limpeza da faixa de 700 MHz. “Se para limpar a faixa de 2,5 GHz onde está o MMDS a conta já está bem alta, para limpar a faixa de radiodifusão acho que vai ser ainda pior”, diz o presidente da Claro.
O risco dessa postura mais parcimoniosa das operadoras em relação à faixa de 700 MHz não é que elas percam o acesso à faixa. O governo já disse que esse dividendo será para a banda larga móvel e dificilmente voltará atrás. O maior risco é que a radiodifusão brigue para adiar o desligamento da TV analógica. Os argumentos já foram colocados em diferentes fóruns pelos representantes da radiodifusão, e são incontestáveis: enquanto houver alguém com um televisor analógico, será necessário atender esse telespectador.
Nos EUA, para desligar a TV analógica, o governo distribuiu cupons de compra no valor de US$ 40 para que pudessem ser adquiridos conversores digitais. E lá, quase 100% dos lares recebem o sinal de TV por meio de redes de cabo ou satélite. No Brasil, 70% dos domicílios ainda dependem exclusivamente da TV aberta, e a maior parte ainda tem apenas aparelhos analógicos. O governo sabe que em 2016 não há chance de que todos os televisores tenham sido trocados. Políticas de incentivo à troca certamente serão necessárias. A ideia era passar a conta para as teles em troca de uma maior agilidade na liberação da faixa de 700 MHz. Mas o clima, ao que tudo indica, virou.