Ao desistir de limitar o tamanho das reduções de velocidades em casos de acesso à Internet com franquia de dados, a Anatel escolheu um caminho pró-mercado, como defende o relator do regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, Marcelo Bechara.
“Incorporei essa sugestão que veio da área técnica. Entendo que a forma como o usuário e a empresa vão negociar é livre. Posso continuar pagando para ter a mesma velocidade, ou ter reduzida a velocidade. De qualquer jeito, o serviço continua sendo prestado”, argumenta o conselheiro. Segundo ele, a medida poderia beneficiar quem usa muito a Internet.
Ao tratar a mudança como “ponto pacífico”, a Anatel esqueceu de tornar pública uma alteração sobre um item que o próprio setor demonstrou forte interesse, como será visto. Não houve menção à supressão desse ponto nem no voto do relator, nem ele foi discutido na reunião que aprovou o novo regulamento.
Quando começou a ser discutido o novo regulamento do SCM, a ideia era impedir que, nos planos com franquia de dados (ou seja, com uma quantidade de dados pré-determinada que o usuário pode acessar, em geral a cada mês) a velocidade da conexão caísse a menos da metade do contratado.
O que guiou a relatora inicial da norma, a então conselheira Emília Ribeiro, foi o acordo firmado, naquele mesmo 2011, pelo Ministério das Comunicações e as operadoras para oferta de planos populares de acesso à Internet, de 1 Mbps por R$ 35. Esses planos, ainda em vigor, previam franquia de 300 MB.
Como não há menção no acordo sobre as condições de oferta após o consumo dessa franquia, as empresas podem reduzir a velocidade aos 64kbps já utilizados em outras ofertas de “banda larga”. A ideia do regulamento era, portanto, evitar que as velocidades ficassem abaixo de 500kbps.
A saída pró mercado da Anatel não surpreende, dada a forte resistência das teles, assim como de provedores de pequeno ou grande porte, à fixação de um limite para o “corte”. Como argumentaram as empresas na consulta pública, o desestímulo aos internautas é essencial ao modelo de negócios.
“[É] uma forma indireta de gratuidade pois desta forma o usuário prosseguirá utilizando o serviço sem pagar por este consumo extra”, reclamou a Vivo, sendo ecoada pela Net, para quem a medida “permitirá que esses assinantes continuem a usufruir da rede da prestadora mesmo após o fim da franquia acordada”.
Para a Oi, “um usuário que atinge a franquia previamente contratada e acertada com a operadora é porque tem a tendência a utilizar a totalidade da banda disponível, portanto se a velocidade mínima for de 50% , isso equivale a um link dedicado com velocidade de 50% do contratado”.
A TIM ponderou que com isso se estaria “premiando os usuários que fazem mal uso dos serviços, em detrimento daqueles que cumprem regiamente as suas obrigações”. Ao que a Claro|Embratel esclareceu que, com o limite, “o usuário não sentiria qualquer desconforto em sua experiência de navegação”.
A mesma consulta deixou evidenciado que as empresas também estavam preocupadas com as ofertas populares nos termos acertados com o governo. A Oi lembrou um limite ao corte seria “destoante do disposto no Termo de Adesão firmado [com] Anatel e Minicom para adesão ao Plano Nacional de Banda Larga”.
Mas do que a questão pontual, porém, as empresas fizeram associações entre a medida proposta e a “neutralidade absoluta de rede”. “A melhor alternativa seria a não neutralidade através da diferenciação por níveis de serviço e preço”, defendeu a Vivo naquela consulta.
A Oi resumiu o que as empresas queriam: “É permitido às prestadoras ofertarem serviços customizados que atendam a perfis de consumo específicos e adotar medidas para gestão e diferenciação de tráfego, inclusive aquelas que envolvam diferenciação de custos, preços e priorização por tipo de trafego.”