A Telefônica|Vivo tem certeza de que alguém usou internet na casa de José da Cruz Filho, em São Vicente, no litoral paulista, em 2008, embora o primeiro computador só tenha aparecido por lá em 2013. Com isso, desde 2009 a família briga na Justiça para não ter de pagar os R$ 83,50 cobrados pela empresa.
Em casos como esses, é dever da empresa provar que a cobrança está certa, e não do cliente de que ela está errada. Isso se chama inversão do ônus da prova, no linguajar jurídico convencional.
Só que as operadoras de telefonia mandam às favas esse princípio – “TODAS ELAS”, escreveu assim, em letras maiúsculas, o desembargador Ruy Coppola, da 3ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao julgar o caso de seu José. Incomodado, o magistrado resolveu mandar o linguajar jurídico convencional para o mesmo lugar.
Ao ler os argumentos da Telefônica de que não havia erros na cobrança, e que “o grau de confiabilidade” dos registros era de “praticamente 100%”, Coppola relatou na decisão ter “caído da cadeira, de tanto rir”.
“Qualquer usuário de rede social, se escrevesse isso, logo em seguida viria um ‘kkkkkkk’”, escreveu o magistrado. “E os minutos utilizados para internet por quem não tem computador? nenhuma palavra (…)”
Coppola ironiza os advogados da operadora, que teriam escrito os argumentos de defesa “em momento de evidente descontração e bom humor”, e os acusa de fazer “um CONTROL+C e um CONTROL+V [comandos usados para copiar e colar nos processadores de texto]” de uma manifestação feita no processo, para outra.
“O que é interessante, nos processos envolvendo as prestadoras de serviço de telefonia, TODAS ELAS, é que o consumidor reclama de algo, elas não comprovam que fizeram o algo que foi reclamado, dizem que podem fazer tudo, e não explicam nada”, argumentou, logo de início o desembargador.
Com essa fundamentação (como é dito no linguajar jurídico tradicional), Coppola manteve a obrigação de a Telefónica devolver os valores cobrados indevidamente do cliente. E esclareceu que o pagamento deve ser feito em dobro – para que a empresa “não venha com a história de que eu não vi”.
O dinheiro, se a Telefônica optar pelo pagamento, vai integrar a herança que seu José deixou para a família.
“Meu pai faleceu em 2010”, conta Gisele Inácio da Cruz, de 29 anos, uma das filhas. “Ainda não conseguimos tirar a linha do nome dele justamente por causa dessa cobrança.”
A Telefônica informou que respeita e cumpre todas as decisões judiciais.