Falamos ontem (23) um pouco sobre o evento NetMundial (leia aqui). Durante o NetMundial, evento multissetorial que acontece nesta semana em São Paulo para discutir a governança da Internet, a indústria de telecomunicações deverá ser representada por diversas entidades e associações nacionais e internacionais. E, a julgar pelos argumentos apresentados durante o encontro de relacionamento com lideranças do setor, promovido pelo SindiTelebrasil na capital paulista, ficou claro que as teles não querem ficar caladas na discussão e questionam o que chamam de “desvantagem” regulatória e o papel do governo no modelo multistakeholder.
O diretor de políticas públicas e de Internet da Telefónica (controladora da Vivo) e representante da ETNO (European Telecommunications Network Operators) no NetMundial, Christoph Steck, acredita que o texto com as propostas de discussão para o NetMundial apresentado na semana passada precisa de ajustes. “Ele não é final, os debates começam amanhã, mas acho que será uma boa base para discussão. É um documento balanceado com diferentes visões, mas não estamos 100% alinhados, algumas palavras não são claras”. Ele se refere a trechos com “algumas palavras sobre a Internet aberta”, mas não revelou exatamente quais mudanças a associação de operadoras europeias irá propor. “Achamos que algumas partes estão ambíguas, elas podem ser mais precisas”. Uma proposta é certa: especificar claramente como o evento vai se conectar com outros processos, discurso alinhado com o da vice-presidente da Comissão Europeia, Neelie Kroes, que pedia mais objetividade e ação.
Steck considera ainda que o modelo multissetorial teria de considerar um valor diferente aos governos. “O grande elefante na sala é o papel do governo nesse processo. Não pode ser no jeito tradicional, nem pode ser deixado de lado. Porque os governos têm papel importante, acho que seja uma solução no meio”, declara. “Você realmente acredita que pode resolver a questão de privacidade ao colocar setores conversando em uma sala? Os governos são cruciais nisso”, provoca, considerando um papel maior da União Internacional de Telecomunicações (UIT) no debate sobre segurança.
O resultado final do NetMundial, na visão do executivo da ETNO, será a abertura das discussões. “Não será um documento que resolverá todos os problemas que temos na Internet hoje. Será o primeiro passo para resgatar a confiança no uso da Internet, e esse será um elemento chave”, diz, referindo-se à percepção pública após as denúncias do ex-colaborador da agência de segurança norte-americana (NSA), Edward Snowden.
Diretora de políticas internacionais da GSMA, Dominique Lazanski tem um ponto de vista mais positivo e acredita que o NetMundial já seria um sucesso por conseguir reunir os diferentes setores com a presença da sociedade civil, meio acadêmico, empresas privadas e governo nas discussões. Mas o tempo destinado às discussões durante o evento preocupa. “Será um desafio chegar a princípios que sejam de alto nível em tempo suficiente”, declara. “Será também desafiador sintetizar todos os pontos de vista”. Outra preocupação dela é que nas discussões o setor de telecomunicações acabe virando um “amalgamado em uma entidade” com outras indústrias privadas, incluindo provedores de conteúdo.
Na visão de Dominique Lazanski, por conta desse tempo curto, o evento será focado em assuntos mais gerais, deixando temas como neutralidade de rede e monitoramento para futuras discussões. “A falta dessas coisas [no texto que agrega as propostas] reflete o fato que é um evento multissetorial, com princípios muito de alto nível. E também é parte de um processo longo, começando com processo de governança de Internet, então temos que ver desse ponto de vista, [o NetMundial] é o primeiro de uma grande serie de eventos, e será um ponto positivo.”
Para o ex-chairman da Telecom Itália (controladora da TIM) e da associação de operadoras móveis GSMA, Franco Bernabè, as operadoras estão “sofrendo” na discussão de governança da rede por conta de uma “desvantagem regulatória”. “Não pode haver uma regulação muito rígida como é o caso da indústria de telecomunicações, mas acho que não vai ser possível considerar (o setor de empresas de Internet) como ‘verde’, porque ele vai ser maduro e já está mais maduro do que outros setores; e nele você terá regulações internacionais que cuidam disso”, disse. Na visão dele, trata-se de uma discussão mais técnica e aberta. “O que precisamos agora é de uma abordagem mais estruturada”, declara.
Ele critica o modelo atual de discussão sobre governança, afirmando que seria preciso endereçar problemas de maneira mais formal, especialmente interoperabilidade e segurança das comunicações. “Com o telefone você pode falar com qualquer pessoa porque é seguro e estável; se você usar uma conta em rede social, não pode”, diz, comparando com a indústria de telecomunicações.
Segundo Bernabè, a arquitetura e operação da Internet, por sua origem acadêmica e restrita, não contou com grandes preocupações com regulamentações relativas à proteção dos dados dos usuários. Com o lançamento comercial na década de 90, no entanto, as coisas começaram a mudar. “Os EUA provavelmente pensavam que poderiam controlar a evolução da Internet. Mas não é um problema do governo americano mais, é do mundo todo”. O tema virou o livro “Liberdade Vigiada”, escrito pelo ex-chairman da Telecom Italia.
O vice-presidente global de tecnologias e políticas da Cisco, Robert Pepper, concorda. “A Internet não começou por acidente. Houve desenvolvimento de protocolos e foi um investimento, em maioria, acadêmico. Não tinha que ter um regulador aprovando cada processo”, ressaltando a necessidade de haver uma discussão multissetorial. “Em muitos lugares, temos ficado no vácuo. É extremamente importante ter operadoras envolvidas em outras partes do mundo.”
O presidente do SindiTelebrasil, Eduardo Levy, também reclamou da desvantagem das operadoras nas discussões até mesmo dentro do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Ele afirma que é o único representante do setor dentre os 21 membros da entidade. “Quando temos discussão sobre investimentos, preços e características de rede, sempre entro no debate perdendo de goleada naqueles assuntos que nos afetam e mais, nos são caros”, declara. Ele reafirmou a posição do sindicato de apoio à neutralidade, ressaltando a interpretação do Marco Civil com a possibilidade de oferecer diferentes modelos de negócios aos consumidores.
Com informações de Teletime.