Apesar dos rumores de um possível apagão, aparelho pirata continua funcionando e sendo comercializado em uma grande loja do varejo.
Como noticiado pelo Minha Operadora há dois anos, a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) ganhou um processo contra a HTV Internacional. A empresa foi condenada a pagar uma indenização de R$ 500 mil por fabricar o produto conhecido como “HTV BOX”, um dispositivo ilegal que permite assistir canais de TV por assinatura sem o pagamento de mensalidade.
No entendimento da Justiça, o aparelho tem o objetivo de captar de forma ilegal as imagens de emissoras de TV e distribuí-las gratuitamente por meio de uma conexão de internet. Tal prática infringe direitos autorais e gera concorrência desleal.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mantém uma página de combate à pirataria, expondo o risco de os usuários utilizarem as caixinhas, também conhecidas como “gatonet”. A agência também tem promovido ações para apreender produtos piratas em varejistas, agências dos correios e aeroportos.
No entanto, apesar do processo da ABTA, das ações antipirataria da Anatel e dos rumores de um possível apagão, o aparelho continua funcionando perfeitamente, sendo comercializado livremente no país, inclusive em grandes lojas, como o Carrefour. O marketplace já tinha sido flagrado antes vendendo o produto.
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O que é o HTV BOX?
Similar a outros dongles, o HTV BOX é um dispositivo que transforma qualquer TV em um aparelho conectado. Baseado no sistema Android, com ele é possível assistir aos conteúdos do YouTube, Netflix e outras plataformas de streaming, mesmo que a televisão não seja “smart”.
No entanto, a sua principal diferença em relação aos seus concorrentes legalizados – como o Chromecast, Apple TV e o Fire TV Stick – é que o HTV BOX não é homologado pela Anatel, o que significa que não foi testado para certificar se ele emite radiações eletromagnéticas acima do recomendado ou se possui produtos tóxicos que poderiam colocar em risco os usuários.
E mesmo que ele passasse por esses testes de segurança, ele continuaria a ser um produto ilegal, por conter softwares que oferecem o sinal pirata de centenas de canais de TV aberta e por assinatura, assim como outros conteúdos licenciados.
Por meio de aplicativos como “Brasil Playback”, “Cine” e “Popcorn Time”, é possível ter livre acesso aos canais ao vivo, séries e filmes, com a transmissão IPTV pirata ocorrendo por meio de vários servidores pelo país. O comprador paga apenas pelo dispositivo e não precisa pagar uma mensalidade.
O HTV BOX é o mais famoso, mas não é o único dispositivo vendido no mercado. Também é possível encontrar caixinhas similares que possuem canais IPTV sem a cobrança de mensalidade, como o BTV, Meoflix, Duotv, Supertv ou Az-America.
Sites e canais no YouTube até mesmo divulgam o produto, oferecendo dicas de aparelhos, onde comprar e como configurar listas de canais. Existe também uma página no Facebook não oficial, com 75 mil curtidas, que vende e dá suporte ao HTV BOX.
A ABTA alerta que produtos como esses podem ser uma porta de entrada para invasões de hackers, comprometendo a rede interna de uma residência e roubando informações confidenciais dos usuários.
Quanto custa o aparelho?
O Minha Operadora encontrou o dispositivo sendo vendido em pelo menos nove lojas virtuais brasileiras, incluindo o Carrefour. Em nenhuma delas é notificado que o uso do aparelho é ilegal. Alguns anúncios até mesmo destacam o diferencial de não ter que pagar uma assinatura de TV.
“Você não precisa buscar por uma operadora de TV a cabo ou via satélite e pagar mensalmente por um serviço. Com HTV BOX 6 você paga apenas pelo aparelho, e suas atualizações acontecem de forma transparente para o usuário, e você consegue acompanhar todas as séries, filmes, programas de TV que quiser”, diz um dos anúncios.
O modelo 6 do HTV BOX, a versão mais recente, conta com portas USB, HDMI e Ethernet. Tem memória interna de 8GB, RAM de 2GB e leitor de cartão Micro SD. Ele roda no Android 7.1 e possui resolução 4K. Os aparelhos custam entre R$ 300 e R$ 1.700, dependendo da versão e loja escolhida.
Em uma das lojas, por exemplo, 95.7% dos compradores disseram aprovar o produto.
Carrefour, de novo?
Em maio de 2019, uma loja física do Carrefour, em São Paulo – SP, já tinha sido flagrada vendendo a caixinha, inclusive com o produto sendo anunciado no microfone. Na época, a marca se reuniu com representantes da Anatel, Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a Polícia Federal, para combater a venda de produtos piratas.
Além de pedir a retirada das caixinhas piratas das lojas físicas do Carrefour, a Ancine solicitou a remoção dos anúncios de vendas dos aparelhos em seu site. No entanto, como visto, o produto ainda está sendo vendido em seu marketplace online.
No Carrefour, o produto é vendido online entre R$ 1.483,56 e R$ 1.622,90, sendo enviados por meio das lojas parceiras “Arena Freeshop” e “ACL Informática”, respectivamente.
Esse tipo de parceria é justificado pelo Carrefour, afirmando que “queremos sempre fazer um site cada vez mais completo para você. Por isso pensamos em aumentar a quantidade de produtos, vendemos também itens de parceiros que você pode confiar.”
O Carrefour também está vendendo outras caixinhas similares, de outras fabricantes.
O Minha Operadora tentou contato com o Carrefour, mas até a publicação desta matéria a empresa não tinha um posicionamento imediato sobre o assunto. A assessoria de imprensa diz que está apurando o caso e que deve emitir um comunicado oficial em breve. Se houver uma resposta, esta matéria será atualizada.
Também procuramos o produto em outros grandes magazines, mas nada foi encontrado. No entanto, no Magazine Luiza e na Casas Bahia estão sendo vendidos os controles remotos para o HTV BOX.
Como foi o andamento do processo da ABTA?
No processo iniciado em dezembro de 2017, na 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem, do Tribunal de Justiça de São Paulo, a ABTA alegou que a HTV International Limited, sediada em Hong Kong, na China, fabrica o aparelho denominado HTV BOX, que possui a função de fornecer aos seus compradores, de forma ilegal e sem mensalidade, o acesso a diversos canais de TV com a transmissão não autorizada de imagens.
A ABTA solicitou segredo de Justiça neste processo, argumentando que a ação impediria que os responsáveis por atos ilícitos buscassem alternativas para burlar as determinações judiciais.
O processo foi rápido, e o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi determinou que a HTV deixe de incluir no aparelho qualquer aplicativo ou diretório que viole conteúdos ou marcas das emissoras e pague uma indenização de R$ 500 mil por danos materiais a título de lucros cessantes.
O magistrado também concedeu tutela de urgência, determinando que os provedores brasileiros, Claro, Vivo, Oi e Algar Telecom, bloqueiem a lista de IP’s informados no processo, pelos quais os sinais ilegais de TV são transmitidos para os aparelhos.
No entanto, mesmo após a determinação do juiz, a HTV foi capaz de restaurar a conexão dos equipamentos e retomar a atividade ilícita, por meio de novos IPs que passaram a transmitir o streaming dos conteúdos.
Em fevereiro de 2018, a Justiça novamente determinou a ampliação dos efeitos da liminar, para que as operadoras bloqueiem os novos IPs. Desde então, o processo não teve novos desdobramentos.
O Minha Operadora entrou em contato com a ABTA para saber mais detalhes sobre o desenrolar do processo e as ações da associação no combate à venda do HTV BOX, mas ela não quis comentar o caso. Segundo a assessoria, “algumas ações não podem ser divulgadas”.
A ABTA responde pelas operadoras Vivo, Claro, Sky, Oi, Algar, além das programadoras Canal Brasil, Cine Brasil TV, ESPN Brasil, PlayTV, Globosat, Chef TV, Telecine, Turner, NBC, Discovery e Fox.
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Existem outros processos judiciais?
O Brasil não é o único país que entrou com um processo contra a HTV International Limited. Empresas americanas de mídia também estão acusando a chinesa de piratear seus sinais de TV e cobram na Justiça de Nova York, nos Estados Unidos, uma indenização de US$ 46 milhões (R$ 195,35 milhões), por violação de direitos autorais ao utilizar o dispositivo para promover pirataria maciça.
Elas acusam a empresa chinesa de privá-las de seus direitos exclusivos de controlar a distribuição e a qualidade da TV Paga, interferindo em sua capacidade de desenvolver um mercado legal para a distribuição pela internet de programação de televisão.
“A HTV construiu todo o seu negócio em torno da flagrante violação de direitos autorais, anunciando descaradamente e promovendo a capacidade do dispositivo para fornecer aos usuários fluxos de infrações da programação de televisão”, disse o processo.
As emissoras disseram que o HTV inicialmente respondeu às reivindicações, mas que, em seguida, desistiu, não cumprindo os requisitos e se recusando a se comunicar com seus próprios advogados, os quais disseram que seu cliente não se defenderia mais no caso. Para contornar os processos judiciais, a HTV tem alterado o nome dos seus dispositivos.
A ação na Justiça americana ainda busca impedir que a HTV venda as caixinhas, recomenda danos legais e pretende determinar liminares contra novas infrações.
[ATUALIZAÇÃO – 31/01/2020 08H17]:
Sobre a denúnica do Minha Operadora, o Carrefour emitiu o seguinte comunicado:
“O Carrefour informa que o equipamento em questão é um aparelho conhecido como ‘smart TV’, que se conecta à internet com sinal Wi-Fi e tem como objetivo permitir a conexão a sites e aplicativos por uma televisão comum. No entanto, repudia o uso indevido do equipamento fora desta finalidade e, por isso, excluiu o fornecedor de seu marketplace, impossibilitando a comercialização de qualquer outro produto oferecido pelo mesmo vendedor.”
Ao consultar o site, os aparelhos HTV Box que estavam à venda até ontem, 30, agora aparecem como “Item indisponível”.