Confira quais serão as prováveis mudanças com o fim da proibição, além de como e quais empresas devem se beneficiar com a medida.
Desde julho do ano passado, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 3832, que busca eliminar as restrições à concentração da propriedade entre prestadoras, radiodifusoras, produtoras e programadoras de serviços de telecomunicação. Ou seja, o fim da propriedade cruzada.
A ideia é alterar a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), também conhecida como “Lei da TV Paga”, com o objetivo de revogar os limites de participação no capital.
A legislação do jeito que está determina que uma empresa de telefonia não pode ter mais que 30% do capital de uma emissora de rádio e TV ou produtora de conteúdo, nem mesmo explorar diretamente esses serviços. Da mesma forma, uma emissora ou produtora de rádio e TV não pode ter mais do que 50% do capital de uma empresa de telefonia, nem explorar diretamente esse serviço.
A justificativa para a atualização da Lei de SeAC é que ela está barrando negócios benéficos à concorrência e ao mercado de TV por assinatura. O Governo Federal tem interesse na matéria, pois ela poderia atrair investimentos estrangeiros.
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O debate sobre o fim da propriedade cruzada é antigo e volta e meia ele é discutido na imprensa.
Recentemente, o tema veio à tona diante do entrave da legislação brasileira na compra bilionária dos estudos Time Warner pela operadora americana AT&T, que também detêm o controle sobre as operações da SKY Brasil. A aprovação faria com que o conglomerado se tornasse produtor de conteúdo (por meio da WarnerMedia) e radiodifusora (através da SKY), o que é proibido atualmente pela Lei da TV paga.
Em fevereiro, com a aprovação do negócio pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), abriu-se um precedente para o fim da propriedade cruzada, escancarando a opinião do Conselho Diretor da Agência de que a legislação é excessiva, anacrônica e obsoleta.
A promulgação da Lei do SeAC
A Lei do SeAC, de 2011, visava abrir o mercado para novos competidores, estimular a produção de conteúdo audiovisual da indústria brasileira e evitar a verticalização excessiva, assim como possíveis monopólios.
De fato, o mercado se comportou dessa maneira, com algumas empresas tendo que se adaptar à legislação. O caso mais emblemático é o do Grupo Globo, que além das suas operações na produção de conteúdo para a TV, também detinha 50% do capital da NET (atualmente pertencente à Claro) e 100% da Globosat (programadora de canais fechados). A Globo também tinha controle da SKY.
Na época, uma das principais críticas à Lei da TV Paga é que se o objetivo era impedir o monopólio, ela não deveria permitir nenhuma porcentagem de participação na propriedade cruzada.
De fato, a Globo teve que se desfazer de parte de suas ações. Entretanto, na prática, em termos de lucro e poder de mercado, não mudou muita coisa. A empresa só diminuiu o seu controle sobre a NET, Globosat e SKY, mas com poucos concorrentes no mercado, ela poderia aumentar o preço dos serviços e continuar lucrando da mesma forma.
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Por outro lado, a nova legislação trouxe a possibilidade da entrada de empresas estrangeiras no país, desde que elas respeitassem uma cota de produção nacional em horário nobre, além de uma série de canais culturais obrigatórios ao longo de sua programação. Tal medida ajudou a gerar um crescimento explosivo no mercado de TV por assinatura no Brasil.
A lei também impulsionou um movimento que já estava ocorrendo no país, que era a união entre as empresas de telecom com as de TV por assinatura. Com isso, operadoras como a Vivo, Claro e Oi puderam entrar no mercado de entretenimento, oferecendo pacotes que contemplam serviços de telefonia, internet e canais fechados, a um preço inferior do que se assinados separados.
A necessidade de uma atualização da Lei do SeAC só começou a ganhar força com a recente revolução tecnológica na distribuição de conteúdo, como os serviços de streaming, por meio da Netflix, HBO GO e Amazon Prime Video, por exemplo.
Outro fator foi as recentes fusões de empresas estrangeiras, criando grandes conglomerados de mídia e telecomunicação.
Bônus x Ônus
A principal promessa da alteração na Lei de SeAC, determinando o fim da propriedade cruzada, é a possibilidade de criar um ambiente favorável para novos investimentos, o que, em teoria, geraria mais empregos, além de serviços de maior qualidade e com preço menor ao consumidor.
A própria AT&T já afirmou que teve que congelar investimentos no Brasil por conta de restrições regulatórias do país.
Outro argumento é que seria possível derrubar barreiras para a entrada de novas empresas no mercado, aumentando assim a competição. Tal medida beneficiaria o consumidor, tendo mais opções de entretenimento, bem como gerar mais oportunidades para a classe artística.
A transmissão de eventos esportivos, por exemplo, que segue concentrada e exclusiva para poucas emissoras, poderia ser melhor distribuída em vários canais televisivos.
Uma nova lei também deverá regulamentar as plataformas de streaming. Hoje, a Netflix tem menos obrigações do que a Claro, sendo que as duas oferecem praticamente o mesmo serviço.
A verdade é que a maioria dos players e entidades setoriais são a favor da atualização da Lei da TV paga. Entretanto, todos concordam que ela não pode ocorrer sem que haja um amplo debate.
Uma grande preocupação é que a verticalização poderia, na verdade, criar um ambiente de concentração de mercado e de estímulo de práticas anticompetitivas.
O mercado audiovisual brasileiro, por exemplo, ficaria totalmente desprotegido diante de grandes companhias estrangeiras, o que geraria uma concorrência injusta, prejudicando empresas nacionais, entre elas, milhares de produtoras independentes.
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Outro motivo para um limite para a propriedade cruzada é que a concentração de vozes poderia afetar até mesmo a democracia. No Brasil, cinco grupos já controlam mais da metade dos veículos de mídia no país, o que em si já é um problema para a pluralidade de pensamento, principalmente sob o ponto de vista político, gerando a cartelização de opiniões.
O maior exemplo disso é novamente a Globo. Além de ser a responsável pelo principal canal da TV aberta do país, ela também produz conteúdo para uma rede de jornais, revistas, emissoras de rádio e sites. O grupo também detém canais fechados, produz filmes para o cinema e tem seu próprio serviço de streaming.
Com o fim da propriedade cruzada, o Grupo Globo poderia aumentar a sua participação no mercado de radiodifusão, bem como explorar novos serviços de telecomunicações, sem que houvesse qualquer limite, ampliando a sua hegemonia no país.
Ao mesmo tempo, a própria Globo seria ameaçada por grandes conglomerados internacionais, muito mais fortes financeiramente. Esses grupos poderiam contratar talentos artísticos e jornalísticos brasileiros, enquanto ela seria impedida de contratar os mesmos profissionais, saindo prejudicada nessa disputa. O mesmo valeria para outras emissoras.
Outro movimento poderia vir das operadoras de telefonia móvel, como Vivo, Claro e TIM, controladas pelas espanhola Telefónica, mexicana América Móvil e italiana Telecom Italia, respectivamente. Elas poderiam ampliar investimentos no mercado de produção e transmissão de conteúdo, criando pacotes de serviços com ofertas irresistíveis, o que quebraria pequenas operadoras brasileiras, principalmente os provedores regionais de internet.
Com o fim da propriedade cruzada, a AT&T poderia comprar a Oi, se quisesse, se tornando uma grande concorrente para as operadoras móveis do país, principalmente a Claro, atualmente líder no mercado de TV por assinatura.
Ou seja, em um primeiro momento, poderia ocorrer de fato uma maior competitividade no mercado. Porém, caso a nova legislação não seja bem amarrada, com o movimento natural de fusões de empresas, em alguns anos poderiam surgir grandes conglomerados de mídia e telecomunicação atuando no país, canibalizando pequenas empresas.
Tal cenário reduziria o número de players no país, impactando na qualidade e preço dos serviços prestados, bem como custar o emprego de milhares de brasileiros.
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Atualmente, a proposta de atualização da Lei do SeAC segue paralisada no Senado desde outubro do ano passado, aguardando para ser apreciada em Plenário.
Existe, até mesmo, um movimento dentro do Governo Federal para que a proibição da propriedade cruzada seja derrubada por meio de Medida Provisória. No entanto, com a emergência da pandemia do novo coronavírus, é provável que uma definição sobre o tema não ocorra no curto prazo.
Essa demora só aumenta o clima de insegurança jurídica para o mercado de entretenimento e de telecomunicações no país.