A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está trabalhando junto ao Congresso para convencer que possui as capacidades necessárias para regular as redes sociais e supervisionar as empresas de tecnologia de grande porte, conhecidas como “big techs”. A agência tem feito lobby e propôs a criação de uma “superintendência de serviços e direitos digitais”, que teria a responsabilidade de combater a disseminação de informações falsas e discursos de ódio e antidemocráticos.
Esse movimento da Anatel acontece em meio a uma resistência de alguns parlamentares em relação à definição de um órgão responsável por fiscalizar a moderação de conteúdo no projeto de lei das Fake News.
Segundo a Folha S. de Paulo a Anatel está usando uma apresentação para tentar convencer parlamentares e pessoas do setor de que a agência é a escolha certa para regular as atividades do ecossistema digital.
A apresentação inclui uma proposta de organograma para a nova superintendência que seria criada para essa finalidade. A Anatel afirmou que desde 2019 contratou consultorias para atualizar o plano estratégico e se reposicionar diante do mercado, e que as consultorias identificaram a necessidade de regulamentação do ecossistema digital. Embora o relator do projeto tenha inicialmente deixado de fora a menção à possibilidade de criação de uma entidade autônoma de supervisão, ele passou a defender a Anatel como o caminho mais seguro para desempenhar a tarefa, apesar de não ser sua escolha ideal.
A agência está tentando convencer os deputados de que pode supervisionar as plataformas e a apresentação distribuída aos parlamentares indica que as atribuições relacionadas ao regramento das informações transmitidas pelas plataformas podem ser organicamente absorvidas pelo organograma da agência.
A Anatel afirma que não precisaria de grandes investimentos para esse novo propósito
A Anatel afirmou que não precisaria de novas contratações para desempenhar a tarefa proposta, apenas precisaria preencher um déficit de 402 funcionários em sua equipe. Embora ainda não tenha recebido formalmente essa atribuição, a agência informou que já está elaborando um concurso para essa área específica.
De acordo com o organograma proposto, uma nova “superintendência de serviços e direitos digitais” seria criada para promover a liberdade de expressão e combater a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos. Essa superintendência teria três gerências: a de liberdade de expressão e acesso à informação, a de responsabilidade social das plataformas e a de transparência algorítmica.
A Anatel enfatizou que as novas competências têm como foco o usuário das plataformas digitais, visando empoderar a sociedade no uso dessas ferramentas para garantir direitos fundamentais, educação para o consumo e proteção contra arbitrariedades.
No entanto, o lobby da Anatel tem enfrentado resistência tanto das bancadas parlamentares quanto das plataformas, por motivos diferentes. No caso dos parlamentares, a agência tem uma imagem ruim em relação à fiscalização dos serviços prestados pelas operadoras de telecomunicações, o que pesa contra ela.
Apesar da ressalva os há parlamentares que acreditam a ideia da Anatel seria uma boa opção
Sob condição de sigilo, eles argumentam que, se a Anatel já recebe queixas por não desempenhar adequadamente suas atuais funções, será difícil para ela lidar com a regulamentação das plataformas digitais ao mesmo tempo.
No setor, há duas opiniões: por um lado, há preocupação com um conflito de interesses, já que a agência também regula empresas provedoras de internet.
Por outro lado, alguns acreditam que é melhor ter uma entidade reguladora estabelecida do que deixar um vácuo e que as grandes empresas de tecnologia têm estrutura suficiente para desenvolver uma boa relação e influência com a agência reguladora.
Para plataformas como o Google a falta dessa definição é o grande problema do PL
Antes do adiamento da votação do PL das Fake News, em 28 de abril, o diretor da Google no Brasil, Marcelo Lacerda, concedeu uma entrevista à Folha. Na ocasião, ele expressou a opinião de que um texto vago seria mais suscetível à influência do governo e defendeu a importância de uma definição clara e de uma autoridade reguladora baseada em princípios como independência, conhecimento técnico e transparência judicial. Ele também ressaltou a importância da participação do setor na definição das políticas de supervisão, embora não tenha mencionado especificamente a Anatel.
“O que a gente precisa é uma definição, uma autoridade baseada em alguns princípios, de independência, de conhecimento técnico, de estar sob escrutínio judicial e de ter participação do setor”.
As partes envolvidas expressam uma preocupação adicional sobre a possível influência do governo na decisão de retirar conteúdo, enquanto a sociedade civil e segmentos da esquerda criticam a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por ser suscetível à influência de grandes conglomerados. Laura Moraes, diretora de campanhas da Avaaz, afirma que a Anatel não tem desempenhado bem suas funções e precisa passar por mudanças sérias, como trabalhar em estreita colaboração com o Comitê Gestor da Internet (CGI) e criar mais mecanismos de transparência e participação da sociedade civil, além de defender a liberdade de expressão e a democracia.
O que diz a entidade
A Anatel, por sua vez, declarou que o novo concurso seria para contratar profissionais com perfil complementar ao atual e que há uma tendência internacional para os reguladores de telecomunicações incorporarem as competências para disciplinar os mercados digitais. A agência também propõe usar seu serviço de atendimento ao consumidor para questões relacionadas à regulamentação das redes.
Embora o lobby da Anatel para angariar novas atribuições tenha se intensificado recentemente, ele começou antes mesmo das discussões sobre o PL das Fake News retornarem. O presidente da agência, Carlos Baigorri, passou a defender publicamente a expansão da operação após um projeto apresentado no final do ano passado pelo deputado João Maia (PL-RN) tentar ampliar as atribuições da agência.