Quem nunca se deparou com uma propaganda nas redes sociais, sites e buscadores, que misteriosamente, trazia anúncios de um produtos que foram comentados ou conversados em voz alta com amigos e familiares? Com isso surgiu a ideia de que os celulares escutam as nossas conversas. Será que essa “teoria da conspiração” procede?
De acordo com declarações de duas grandes empresas de marketing dos Estados Unidos, em algumas situações, os celulares podem sim escutar conversas de pessoas para veicular anúncios. As próprias companhias afirmam usar o método para direcionar publicidade.
A Cox Media Group (CMG) afirmou que tem a capacidade de ouvir ambientes dos consumidores por meio de microfones embutidos em celulares, smart TVs e outros dispositivos e usam as informações coletadas para criar anúncios microssegmentados.
Alexander Coelho, especialista em Direito Digital e sócio do Godke Advogados, explica que os anúncios microssegmentados são uma forma de publicidade digital altamente personalizada que utiliza dados coletados sobre indivíduos para direcionar anúncios que são extremamente específicos para suas preferências, comportamentos e necessidades.
“Essa prática é frequentemente alimentada por dados coletados por meio de várias tecnologias, incluindo cookies, beacons e, como mencionado, potencialmente pelo uso de microfones”, pontua.
A técnica chamada de “Escuta Ativa”, teria a capacidade de identificar clientes em potencial com base em conversas casuais em tempo real. De acordo com o próprio site da empresa, o resultado do uso dos serviços de escuta ativa seria a compreensão sem precedentes do comportamento do consumidor, para que seja possível entregar anúncios personalizados que façam o público-alvo pensar: “uau, eles devem ler mentes”.
A outra empresa que afirma usar o recurso é MindSift. Dois dos três fundadores da empresa de marketing disseram publicamente, em um podcast, que a tecnologia da companhia ouve conversas de usuários. O site da MindSift também confirma que faz essa escuta por meio de tecnologia de análise de dados de voz de milhões de dispositivos.
Quanto a legalidade da prática
Segundo Alexander Coelho, advogado pós-graduado em Direito Digital e Proteção de Dados e Direito do Trabalho, explica que a prática toca em várias áreas delicadas da legislação de proteção de dados, privacidade do consumidor e práticas de mercado. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) regula o tratamento de dados pessoais, incluindo dados sensíveis, e estabelece que o tratamento desses conteúdos deve ser feito com o consentimento do titular, exceto em casos específicos previstos em lei.
“A interceptação de comunicações sem consentimento pode configurar uma violação da LGPD. Além disso, a Constituição Federal protege a privacidade e a inviolabilidade das comunicações, a interceptação das quais exige ordem judicial”, afirma.
Em relação a comercialização das informações coletadas nas escutas depende da legislação de cada país. No contexto da LGPD, é necessário o consentimento específico e destacado do titular para tais fins. Caso contrário, vai de desacordo com a lei.
“O tema levanta sérias questões éticas e legais. Se as empresas estão de fato utilizando essa tecnologia sem consentimento claro e informado dos usuários, estariam potencialmente violando leis de proteção de dados. Além disso, mesmo que haja consentimento, a forma como esse consentimento é obtido e a transparência sobre o uso dos dados são cruciais. Usuários devem ter controle sobre suas informações pessoais e a opção de não participar de tal coleta e uso de dados”, conclui Alexander.