Em novembro de 2021, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou que as operadoras de telefonia implementassem a ID Digital como parte do Projeto Cadastro Pré-Pago. A medida exigia que consumidores fornecessem, além de seus dados pessoais, uma selfie e uma foto de seu documento de identificação ao adquirir um chip. Contudo, as operadoras Vivo e TIM não implementaram integralmente a regra, facilitando fraudes como a que foi utilizada no plano de assassinato contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a Polícia Federal (PF), os militares envolvidos no esquema conseguiram comprar chips das duas operadoras utilizando dados de terceiros. A ausência da validação biométrica permitiu que os criminosos cadastrassem linhas telefônicas de forma irregular, ignorando as normas estabelecidas pela Anatel. O plano, executado e abortado em dezembro de 2022, foi descoberto um ano após a implementação da exigência.
A Anatel afirmou ter iniciado um procedimento administrativo para avaliar as medidas adotadas pelas operadoras em relação ao cadastro de titulares de linhas móveis pré-pagas. O objetivo é verificar se as empresas mantiveram suas bases cadastrais atualizadas e adotaram a ID Digital, como previsto pela Lei nº 10.703/2003.
No âmbito das investigações, a PF revelou detalhes do esquema. Os envolvidos utilizaram codinomes de países que disputaram a Copa do Mundo de 2022 para ocultar suas identidades reais. Essa técnica, conhecida como anonimização, faz parte da doutrina de Forças Especiais do Exército. Em uma das fraudes, os militares roubaram a identidade de um homem após um acidente de trânsito e cadastraram um chip em seu nome no dia 8 de dezembro de 2022, uma semana antes de a operação para matar o ministro ser desmantelada.
Os participantes do esquema usaram codinomes em um grupo chamado “Copa 2022”. Termos como “Alemanha”, “Argentina”, “Brasil”, “Áustria”, “Gana” e “Japão” foram utilizados para disfarçar os contatos. Segundo a PF, os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Azevedo foram identificados como “Japão” e “Áustria”, respectivamente. Também foram alvos da investigação o general da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima e o policial federal Wladimir Matos Soares.
No relatório enviado ao STF, a PF destacou que a operadora Claro adotou o sistema de biometria, o que impediu que seus chips fossem utilizados no esquema. A diferença de abordagem entre as operadoras chama a atenção e reforça a importância do cumprimento das normas para prevenir fraudes.
Procuradas pela imprensa, Vivo e TIM não se manifestaram diretamente. A Conexis Brasil Digital, que representa o setor de telecomunicações, informou em nota que as empresas associadas “investem de forma recorrente, em conformidade com a legislação vigente, em diversas tecnologias de segurança e prevenção a fraudes”. Além disso, destacou que consumidores podem consultar se seus dados estão sendo usados indevidamente pelo site cadastropre.com.br.
A Conexis também reafirmou que as empresas estão à disposição das autoridades e reforçaram o compromisso com a privacidade de seus clientes. Apesar disso, o descumprimento das regras pela Vivo e TIM levanta questionamentos sobre a eficácia das medidas de segurança e os impactos para a sociedade.
O caso evidencia os riscos associados à falta de controle sobre a venda de chips pré-pagos no Brasil. A Anatel deve intensificar sua fiscalização e garantir que as operadoras cumpram as exigências para evitar que novas fraudes comprometam a segurança do país. Enquanto isso, especialistas destacam a necessidade de maior conscientização dos consumidores sobre o uso indevido de dados pessoais e as ferramentas disponíveis para se protegerem contra crimes desse tipo.