
A gigante espanhola Telefónica fechou um acordo bilionário na Argentina. Ela vendeu sua operação no país (Movistar) à Telecom Argentina por US$ 1,245 bilhão. O valor equivale a cerca de R$ 7,19 bilhões.
O negócio ocorre após três décadas de presença da Telefónica no país. A Argentina foi uma das primeiras apostas da empresa na América Latina. A saída agora marca o avanço de sua estratégia de desinvestimento na região.
A Telecom Argentina utiliza a marca de celular “Personal” no país vizinho e é controlada por dois pesos-pesados: o Grupo Clarín e o fundo Fintech, do empresário mexicano David Martínez Guzmán. A empresa destacou que o processo de compra foi competitivo, intenso e transparente.
Governo da Argentina não gostou do negócio
No entanto, o governo do presidente Javier Milei reagiu com desconfiança e suspendeu a transação. Em nota, a administração alertou para o risco de concentração de mercado. O comunicado afirma que a operação pode deixar cerca de 70% dos serviços de telecomunicações nas mãos de um único grupo.
Como resposta, o governo vai acionar o Ente Nacional de Comunicações (o equivalente a nossa Anatel). Também notificará a comissão de defesa da concorrência (no Brasil, chamado de Cade) para analisar a legalidade do negócio. Essa é a maior medida regulatória adotada por Milei desde sua posse.
A Telecom Argentina atua em telefonia fixa, móvel, TV a cabo, streaming e carteira virtual. Com a compra, pretende expandir a cobertura de banda larga, fibra óptica e 5G. O grupo também mantém operações no Paraguai, Chile e Uruguai.
O financiamento da aquisição veio de um consórcio internacional. Participaram os bancos BBVA, Deutsche Bank, Santander e o chinês ICBC. Eles aportaram US$ 1,17 bilhão para viabilizar o negócio.
O outro lado da moeda
No entanto, alguns analistas apontam que a venda na Argentina na verdade gerou repercussão política. O governo Milei tem preocupação com a influência do Grupo Clarín, crítico da atual gestão. O presidente acusou o jornal de publicar reportagens enganosas durante uma visita a Washington.
Para piorar, o ministro das Relações Exteriores, Gerardo Werthein, é primo de um empresário que disputava a compra da Telefónica. O ex-chefe de Milei, Eduardo Eurnekian, também estava interessado na operação.
A saída da Telefónica do país marca o fim de uma era. Ela foi símbolo das privatizações dos anos 1990. Mesmo em meio a crises econômicas, permaneceu firme até agora. Mas o cenário argentino atual, com incertezas e controle cambial, afastou mais uma multinacional.
Venda também da Movistar Colômbia
A movimentação não ocorre de forma isolada. A Telefónica já vendeu sua operação Movistar na Colômbia à Millicom Spain por US$ 400 milhões. A transação também ainda precisa do aval das autoridades regulatórias colombianas.
Além disso, a Millicom planeja comprar os 32,5% restantes da Coltel, atualmente em mãos do jornal La Nación e outros investidores. O preço será o mesmo pago pela fatia da Telefónica.
Segundo a Millicom, a fusão das operações criará uma empresa robusta. O grupo afirma que terá fôlego financeiro para expandir a inclusão digital na Colômbia. O CEO, Marcelo Benítez, reafirmou o interesse em comprar também a participação da EPM na Une-EPM.
Os desinvestimentos da Telefónica seguem uma tendência clara. A empresa deixou países da América Central, iniciou saídas na Colômbia e agora mira México e Peru. No último caso, a filial peruana já pediu proteção contra falência.

Brasil será o único “pote de ouro” dos espanhóis
O Brasil, no entanto, continua sendo um mercado estratégico. A Telefónica mantém operações no país com a marca Vivo e não há sinais de venda. Analistas acreditam que a América Móvil, dona da Claro, pode se beneficiar das saídas da concorrente em outros países.
No Chile, por exemplo, a América Móvil ocupa o quarto lugar em telefonia móvel, com 4,7 milhões de usuários, atrás de Entel PCS (8,5 milhões de clientes), Telefónica/Movistar (7,1 milhões) e WOM (5,7 milhões). Caso adquira parte das operações da Telefónica, a Claro poderá subir posições e equilibrar o mercado.
No México, as margens da Telefónica despencaram. Ela depende da rede da AT&T, o que enfraqueceu sua atuação. Analistas veem chance de venda à própria AT&T ou à varejista Walmex, que vem crescendo no setor.
Segundo o banco Jefferies, a empresa espanhola busca maximizar retorno vendendo ativos com baixa rentabilidade. A ideia é reforçar o caixa e reestruturar sua dívida, especialmente em locais onde enfrenta disputas fiscais, como no Peru.
A decisão de reduzir a exposição à América Latina começou em 2019, com uma carta assinada por José Maria Álvarez-Pallete, na época o presidente-executivo da Telefónica. A empresa pretendia focar em mercados com maior retorno, como Espanha, Reino Unido, Alemanha e Brasil. A mudança foi acelerada com a chegada de Marc Murtra à presidência global, em janeiro de 2025.