22/11/2024

O ‘estouro’ da telefonia móvel. É realmente positivo?

Se tem algo que realmente floresce no setor de telecomunicações é a venda de telefones móveis. Hoje em dia, praticamente todos os brasileiros têm um celular. Para falar a verdade, muitas vezes mais de um celular. No Distrito Federal, o campeão em número de celulares per capita, há dois celulares para cada cidadão que habita a capital. A Anatel divulga com orgulho os avanços a índices impressionantes da telefonia móvel a cada mês. A telefonia fixa, por sua vez, sequer tem seus números apresentados pela agência. Estagnado há anos, o ramo público da telefonia não empolga mais ninguém.


Mas tanto crescimento tem seu preço. Primeiro porque o ‘boom’ da telefonia móvel sequer pode ser considerado como um retrato fiel do dinamismo do setor. Uma parte considerável desses avanços vem de distorções enormes no ramo da telefonia móvel e não da cobiça interminável dos clientes pelo aparelho mais moderno no mercado. Afinal, não há troca de aparelho que explique o crescimento do número de linhas móveis colocados mensalmente no mercado.


Os sinais de que esse ‘boom’, na verdade, é mais uma bolha do que um crescimento consistente estão por toda parte. Na última sexta-feira, os celulares da TIM ficaram sem comunicação em Brasília. O Portal #Minha Operadora recebeu diversas mensagens dizendo que os problemas não ocorreram apenas na capital federal, atingindo também estados do Sul e do Nordeste do país. Na segunda-feira, foi a vez da Claro ter problemas na sua rede 3G, deixando milhares de clientes em todo o país sem comunicação.


Não é preciso uma rede parar totalmente para que os consumidores percebam que algo vai mal no paraíso da telefonia móvel. Há falhas constantes nas redes de todas as companhias, que irritam e frustram os milhões de clientes das operadoras de celular. O drama fica ainda maior se pensarmos que a telefonia móvel pré-paga se popularizou ao ponto de substituir os telefones fixos em muitas casas. Ou seja, se o telefone celular falhar, não há um Plano B para comunicação.


O crescimento da telefonia móvel e as falhas no sistema estão intimamente ligados. Temos hoje mais de 242 milhões de celulares em funcionamento no Brasil. Desse total, 80% são telefones pré-pagos. Misturado a este número, está a nova vedete do mercado de telecomunicações: a banda larga móvel. Ainda não há uma medição acurada da Anatel de quantos planos de banda larga estão hoje contratados pela população. A confusão se dá porque a agência reguladora ainda mistura pacotes exclusivos de banda larga (onde o cliente compra um modem para conectar seu computador) e os planos de dados para celular (onde o cliente navega no aparelho móvel).


Administrar tantos terminais móveis não é tarefa fácil para as operadoras. Exige investimentos grandiosos para assegurar a terminação das chamadas com qualidade, ainda mais se considerarmos que elas têm que se entender entre si, conectando chamadas com companhias rivais.


Não é a toa que o motor atual do crescimento nesse ramo é a política de manter o cliente dentro da rede da própria empresa. Pioneira nessa estratégia, a TIM está próxima de assumir a liderança no mercado de telefonia celular, desbancando a Vivo pela primeira vez na história das telecomunicações brasileiras. Tudo graças à política de ligações a custos ínfimos entre celulares da mesma operadora, que cada vez atrai mais consumidores.


Esse tipo de estratégia explica porque temos tantos celulares no Brasil. O brasileiro é quase obrigado a ter um celular de cada operadora para economizar dinheiro. Se vai ligar para um número da Claro, usa o chip da Claro. Se vai ligar para um número da Oi, troca o chip para o da operadora. É o famoso “jeitinho brasileiro” tomando corpo em um serviço cada vez mais importante para a população.


Mas, novamente, tudo tem um preço. Desde a privatização, o crescimento da telefonia móvel é subestimado pelas autoridades públicas. O primeiro documento estratégico do setor, chamado de Paste (Plano de Ampliação e Modernização do Setor de Telecomunicações), errou feio na previsão sobre a demanda por telefones móvels. No ano 2000, a Anatel acreditava que teríamos 21,5 milhões de celulares, mas o ano acabou com 23,2 milhões de aparelhos habilitados. Era o primeiro indício de que os brasileiros amavam a telefonia móvel. E esse amor só cresceu nos 12 anos que se seguiram.


É indiscutível que a setor móvel vem correndo atrás do prejuízo desde então. Os investimentos não são feitos prevendo o futuro, mas sim concertando o presente. Amamos os celulares, mas odiamos as torres de celular. Um dilema que nenhuma operadora conseguiu resolver até hoje. Sem mais torres nas cidades, a qualidade das ligações vai se deteriorando. Mas paramos de comprar celulares? Não. Queremos cada vez mais um mundo móvel – e de preferência, com qualidade -, mas será que estamos preparados para sustentar a demanda?


A Anatel agora quer que o Brasil tenha 4G. Todos prometem velocidades maiores e qualidade nas chamadas. Mas como confiar no futuro, com um presente tão confuso?


Não há nada de errado em pensar no futuro, desde que não se comprometa o presente no meio da estratégia escolhida. Logo após o leilão do 3G, quando as previsões das companhias para a venda de banda larga móvel foram destruídas pela procura massiva pelo serviço, a Anatel acendeu a luz amarela no setor. Foi convocada uma reunião de cúpula com as operadoras e, juntos, agentes públicos e executivos entenderam que o melhor a fazer era parar de divulgar a banda larga 3G em campanhas publicitárias. Ainda hoje é raro ver uma propaganda de banda larga móvel. Mas, convenhamos, quem não sabe que ela existe?


É como aquela piada do marido traído que resolve jogar fora o sofá. Diminuir o marketing não resolveu o problema. Só retardou o estouro da bolha. Técnicos da Anatel garantem que as companhias estão investindo o que podem para estabilizar as redes. Mas normalizar o fluxo das chamadas leva tempo.


A telefonia móvel é hoje o gigante do setor de telecomunicações. Mas, quanto maior a altura, maior a queda. Está na hora de encarar o fato de que qualidade desse serviço está caindo tão agressivamente quanto o crescimento do número de clientes. E não é o avanço tecnológico que resolverá todos os problemas. O que falta aqui é gestão, tanto pública quanto privada. Não é possível continuarmos esperando que um caladão aconteça para que se tome providências para melhorar o serviço mais usado no país.
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