Na próxima semana, a Anatel iniciará uma consulta pública sobre as regras para o leilão de duas faixas de radiofrequência que permitirão ao Brasil inaugurar a tecnologia de quarta geração da telefonia celular, o chamado 4G. A vantagem da adoção de tecnologias 4G é o aumento sensível da velocidade da conexão de banda larga móvel. Bom, pelo menos tecnicamente.
A projeção dos técnicos da Anatel é que a tecnologia que deverá ser adotada no Brasil – a Long Term Evolution (LTE) – garanta conexões até 10 vezes mais rápidas do que os sistemas 3G que possuímos hoje. O início do debate do leilão 4G faz parte da agenda para a Copa do Mundo de 2014. O governo está seguro de que teremos celulares super potentes até lá, desde que a Anatel promova o tal leilão ainda neste ano.
Depois de ouvir a proposta da Anatel para o Edital, divulgada ontem pelo Conselho Diretor da agência, não tenho mais certeza se a estratégia dará certo. Além de confusas, as regras inovadoras desenhadas pela agência para a disputa pecam mais pela falta do que pelo excesso. Questões importantes como a velocidade das conexões que devem ser oferecida pelas empresas vencedoras e a qualidade do serviço ficaram de fora do documento.
A explicação dada pelo conselheiro Rodrigo Zerbone, relator da proposta, para a construção de um edital tão minimalista com relação ao que será prestado nas faixas que serão vendidas é estranha. Segundo Zerbone, as escolhas foram tomadas para garantir o interesse das teles em concorrer no leilão. E o excesso de detalhamento poderia afastar os investidores.
A esquisitice por trás desse argumento é que a Anatel passou os últimos anos defendendo de forma ferrenha de que as duas faixas que serão leiloadas – a de 2,5 GHz e de 450 MHz – representavam o que havia de melhor para a evolução da tecnologia celular. Se isso é verdade, porque as empresas não compareceriam ao leilão mesmo com a existência de regras mais rígidas? É difícil de entender.
A ausência de parâmetros de velocidade e qualidade no documento torna-se ainda mais estranha se avaliarmos o contexto em que o edital está sendo colocado em consulta. Nos últimos dias tenho dedicado a coluna a noticiar a confusão criada pela Anatel por conta de um pedido de anulação feito pela Oi das regras de qualidade da banda larga editadas pela agência no ano passado. A autarquia abriu uma consulta pública apenas para debater a solicitação da Oi, alegando que o procedimento (nunca antes adotado) está previsto no regimento do órgão.
Mas, se a motivação da consulta é meramente burocrática e a agência pretende manter as regras que ela mesma criou, não seria de bom tom incluí-las na minuta do edital do 4G? Em um documento como este, que ainda será discutido com a sociedade para só então ser validado, acredito que o excesso não é pecado. A falta de clareza do modelo adotado é que deveria preocupar.
Algumas empresas já começaram a reclamar do edital divulgado ontem. É o caso da TIM, que deu declarações a noticiários econômicos criticando o timing da Anatel para a execução do leilão. Para a empresa, não faz sentido o Brasil querem inaugurar o 4G se os investimentos no 3G ainda estão sendo feitos.
Por ironia do destino talvez, a TIM sofreu uma grave pane em Brasília na noite de ontem. Em comunicado enviado à Rede Bandeirantes, a empresa confirma que diversos clientes ficaram sem comunicação entre às 20h34 e às 23h por conta de um problema em uma de suas centrais na capital. O motivo da pane ainda está sendo investigado.
Certamente, os clientes da TIM e das outras operadoras têm percebido nos últimos meses que a necessidade de expansão das redes móveis é uma realidade no Brasil. As redes estão cada vez mais congestionadas, graças em grande parte à explosão de consumo da banda larga móvel. Sob esta ótica, tendo a concordar com a operadora: será que o mais interessante no momento é trocar de tecnologia, o que exigirá investimentos ainda mais robustos do que os necessários para reforçar as redes que já temos? Ainda mais se não há nenhuma garantia de que as operadoras 4G oferecerão velocidades de fato maiores e com melhor qualidade.
Coisas ainda mais estranhas têm acontecido em torno das discussões sobre a melhoria dos serviços de banda larga no Brasil. Dentro da Anatel cresce a torcida para que a ABR Telecom, grupo formado pelas operadoras telefônicas para coordenar os serviços de portabilidade, vença a disputa para ser a responsável pela gestão dos parâmetros de qualidade da Internet. Essa concorrência foi aberta também ontem pela Anatel.
Fontes da agência contam que o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão criado pelo governo e formado por especialistas da área de tecnologia, tem sido tacitamente excluído das reuniões realizadas pela Anatel sobre as regras de qualidade. Se isso for verdade, a acusação é séria já que praticamente todos os parâmetros fixados pela Anatel se baseiam em estudos conduzidos pelo CGI.
A entrada do 4G no Brasil alinhada com a evolução tecnológica mundial deve ser uma meta da Anatel, mas não pode ser atingida a qualquer custo. Tive o privilégio de experimentar essa nova tecnologia quando a primeira rede foi lançada na Suécia e posso dizer que a qualidade do serviço é realmente impressionante se comparada às velocidades que dispomos hoje no Brasil. Mas acreditar que, apenas porque a tecnologia permite velocidades melhores as empresas oferecerão pacotes mais robustos por aqui é temerário. Basta dizer que, tecnicamente, as tecnologias 3G permitem conexões de até 7 Mbps em equipamentos estacionários, ou seja, em conexões sem movimento. Desafio alguém a encontrar uma oferta de 3G acima de 1 Mbps no Brasil.
De qualquer forma, a consulta do edital para o leilão do 4G será, ao menos, uma oportunidade para ampliar o debate sobre a qualidade dos serviços de banda larga prestados no país. A consulta pública é tradicionalmente um instrumento para aperfeiçoar as propostas feitas pela agência. Fica a torcida para que, especialmente neste caso, a Anatel aproveite este momento e apare as arrestas de um documento tão importante para a sociedade brasileira.