Em 1994, o universitário carioca Yuri Gitahy e três colegas da faculdade de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reuniram suas economias pessoais para montar uma start-up. Eles tinham cerca de 20 anos e viviam numa época muito diferente da atual. A internet comercial, tal como a conhecemos hoje, nem havia sido lançada no Brasil (ela só entrou em operação no ano seguinte) e o próprio termo start-up, hoje usado para descrever empresas iniciantes de tecnologia, passava longe do vocabulário de negócios no País. Por essas e outras razões, o empreendimento de Gitahy e seus amigos era uma ousadia para a época.
Eles pretendiam vender, por meio de disquetes, conteúdo que explicava como funcionava essa tal internet, que já existia em outros países, como os EUA, e conectava as pessoas a uma rede global, à época, diga-se, nem tão global assim. O nome escolhido remetia à nova mídia que logo chegaria aqui: Web. Mas, justamente por essa razão, o Comitê Gestor da Internet (CGI), órgão que regula a concessão de domínios virtuais no Brasil, tirou deles o endereço web.com.br, pois poderia confundir os internautas. No entanto, no momento em que a empresa buscava musculatura, a popularização do CD-ROM, na segunda metade dos anos 1990, representou um duro baque no mercado do disquete e foi fatal para a Web, que fechou as portas algum tempo depois.
“O importante é que, do meu ponto de vista, a empresa deu certo, pois não tivemos prejuízo”, diz Gitahy, com ar nostálgico e alegre. Nessa jornada, ele se tornou um pioneiro da internet no Brasil e adquiriu o gosto pelo empreendedorismo digital, algo que o fez pensar em novas investidas. Depois da Web, Gitahy trabalhou em diferentes empresas de tecnologia e, em 2008, começou a ajudar pequenos empreendedores digitais. “Dei consultoria gratuita por gostar de tecnologia, até que tive uma ideia: por que não acelerar os negócios desse pessoal?”
Surgia ali sua nova empresa, cujo nome veio quase instantaneamente à sua cabeça: Aceleradora. Foi assim que, em 2010, Gitahy foi um dos primeiros a iniciar no Brasil uma onda de criação de aceleradoras, o modo como são chamadas as empresas que, por meio de investimentos e suporte às áreas de gestão e negócios, auxiliam as start-ups a alçar voos maiores. As aceleradoras são uma espécie de versão mais nervosa das incubadoras. Elas dão casa, comida e roupa lavada para as start-ups, o que na prática significa contar com infraestrutura, uma boa rede de contatos, orientação e dinheiro.
Enquanto as incubadoras gestam projetos de médio e longo prazo, sem ambicionarem retorno financeiro rápido, os aceleradores de negócios geralmente adquirem uma pequena participação societária nas start-ups. E, com a injeção de recursos, esperam impulsionar logo a expansão e recuperar o capital investido em poucos meses, e numa quantia muito superior à aplicada. “As aceleradoras geralmente têm interesse em vender logo o capital para fundos de investimento”, afirma Gitahy, que também é diretor da Associação Brasileira de Startups (AB Startups). O apetite por negócios está aguçado. Existem hoje no País mais de 20 aceleradoras, e espera-se que esse número dobre até o fim do ano.
O boom de aceleradoras é um reflexo do aquecimento do mercado de internet e tecnologia no País. Atualmente, segundo estimativa da AB Startups, há cerca de dez mil pequenas empresas digitais em atividade. E isso, por sua vez, se deve à expansão dos investimentos de risco no Brasil. Segundo dados do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital (GVcepe), da FGV-Eaesp, o volume de capital aplicado em empresas iniciantes com base tecnológica tem crescido mais de 50% ao ano, desde 2005. Os dados disponíveis mais recentes são de 2009 e dão conta de que os fundos investiram R$ 6,2 bilhões em companhias brasileiras.
Cerca de 15% desse valor (ou quase R$ 1 bilhão) foi destinado a start-ups. Esses quatro anos de defasagem nos dados, porém, são uma verdadeira eternidade no mundo da tecnologia, o que sugere que o volume hoje seja muito maior. A velocidade das aceleradoras tende a aumentar ainda mais, pois as grandes empresas de tecnologia estão de olho no mercado digital. O grupo Telefônica é um dos casos mais emblemáticos. Em 2011, a companhia espanhola criou a aceleradora Wayra, que hoje conta com filiais em 13 países, incluindo o Brasil. Na versão local dessa divisão de negócios, em São Paulo, foram investidos R$ 200 milhões.
Agora vamos para área que entendemos melhor: Telecomunicações. “Além dos recursos financeiros, os empreendedores têm acesso aos executivos da companhia”, afirma Antonio Carlos Valente, presidente da Telefônica/Vivo no Brasil. “Isso não é mensurável, mas tem um valor imenso para o desenvolvimento de uma nova empresa.” Na visão de Valente, a operadora se beneficia da sinergia com as start-ups de maneira direta, como no desenvolvimento de tecnologias que podem ser usadas pela operadora. “Além disso, as empresas aceleradas usam estrutura de tecnologia de comunicação, que é o negócio da Vivo.” Entre as 16 start-ups apoiadas, há empresas ligadas a educação, comércio eletrônico, acessibilidade e web móvel.
Embora não atuem exatamente como aceleradoras, no sentido clássico, elas têm em comum o fato de que investem em start-ups para, em contrapartida, se beneficiarem de suas inovações. Para isso, criaram concursos que selecionam projetos de empreendedores, que recebem dinheiro e, em alguns casos, coaching para seus líderes. Para citar alguns exemplos, há o Sua Ideia Vale um Milhão, do Buscapé, o QPrize, da Qualcomm, e o pioneiro Desafio Brasil, da Intel, que em 2013 chegará à oitava edição. A fabricante de chips conta também com um braço de investimentos na área digital, o Intel Capital, que destinou US$ 75 milhões a 25 empresas brasileiras desde 1999.
Não são apenas as grandes companhias do setor tecnológico que se valem de concursos para pinçar projetos promissores. Empresas como a Aceleratech, de São Paulo, também optaram por esse sistema. O que difere essa aceleradora, no entanto, é o fato de ela ser fruto de uma parceria entre um clube privado de investidores, muitos dos quais do Vale do Silício e da Alemanha, e uma instituição de ensino, no caso, a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Os sócios-fundadores, que fizeram a articulação entre os investidores e a universidade, são dois empreendedores digitais brasileiros que se tornaram investidores: Mike Ajnsztajn e Pedro Waengertner.
“O setor de start-ups está movimentado no Brasil, mas os empreendedores, na maioria das vezes, não têm a experiência necessária para montar um bom projeto”, afirma Ajnsztajn, sócio da Aceleratech. “Por isso resolvemos montar uma aceleradora que reunisse a experiência de empreendedores, investidores e a academia”, afirma Waengertner. O sistema funciona da seguinte forma: houve um processo de seleção no fim do ano passado, com a inscrição dos candidatos pelo site da aceleradora, foram 312 inscrições. Dessa peneira, feita a partir de um extenso formulário respondido via internet, restaram 32 projetos, cujos idealizadores fizeram apresentações de sete minutos (sim, sete, nem mais nem menos) perante uma banca de profissionais do mercado digital e da ESPM.
Desses, ficaram 11, que passam no momento por um processo de “mentoria”, como se diz no jargão, com aulas e acompanhamento de um grupo de notáveis da área digital, como Julio Vasconcelos, CEO do Peixe Urbano, e Paulo Humberg, sócio da aceleradora A5 Investimentos. “A ideia é que esse processo funcione quase como um mini-MBA para o empreendedor”, afirma Ajnsztajn. O gran finale da edição inaugural da Aceleratech acontecerá em maio, quando os 11 selecionados mostrarão, diante de uma plateia composta por investidores, o seu projeto aperfeiçoado. Não haverá um vencedor. A ideia é que eles apresentem modelos de negócios bem-acabados, capazes de seduzir os investidores, que podem ou não pertencer ao rol da Aceleratech.
Um dos notáveis que assessoram os novos empreendedores da Aceleratech, o empresário Paulo Humberg, da A5 Investimentos, conhece de perto todas as fases do mercado digital brasileiro. Ele participou dos primeiros momentos do setor, ao fundar em 1999 o Lokau, o primeiro site de leilões virtuais do País. Depois enfrentou a travessia do deserto iniciada com o estouro da bolha pontocom, no ano 2000. Com a retomada dos investimentos no setor, por volta de 2004, tornou-se investidor-anjo. Hoje, atuando de fato como um acelerador, ele apoia oito empresas. Entre elas há start-ups em estágios iniciais, como o Mercado Etc, uma loja virtual de produtos ligados à economia criativa, e empresas já bem posicionadas, como o site de compras coletivas Click On.
Nos últimos três anos, diz Humberg, as start-ups atraíram verbas robustas de fundos internacionais em razão da crise mundial. “Os fundos viram que o Brasil estava bem e resolveram apostar no setor digital daqui”, afirma. “Assim, as aceleradoras foram favorecidas, pois o momento estava propício para sociedades com esses fundos.” Hoje, porém, a situação mudou. Com a retomada na economia americana, os radares se voltaram novamente para o maior mercado do mundo. “Não está mais tão fácil conseguir dinheiro com eles para novos projetos”, diz Humberg. O outro lado da moeda é que o ambiente de negócios no País se fortaleceu nos últimos anos, o que estimula a formação de fundos ou aceleradoras nacionais. Um exemplo é a S_Kull, que acabou de contratar o executivo Bob Wollheim, um dos pioneiros da internet brasileira, para o posto de CEO.
Além do reforço do capital nacional, o bom momento do consumo interno joga a favor, e por isso o empresário planeja acelerar mais 15 empresas neste ano. Entre as áreas nas quais ele está de olho estão comércio eletrônico, finanças, saúde e projetos que aliem tecnologia e publicidade. Sobre o perfil dos projetos, Humberg manda um recado para os candidatos: “Não basta ter apenas boas ideias, pois isso é o que mais existe por aí”, diz. “O que procuro é alguém que me traga um Power Point bem detalhado, com explicação de por que aquela ideia é pertinente, quais são os concorrentes potenciais, público-alvo definido e uma proposta de modelo de negócios.” Alguém se candidata?